sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sem noção

Sobre a morte de Salinger, como é irritante ler matérias e matérias citando que o covarde assassino de John Lennon era um grande fã do Apanhador dos Campos de Centeio etc e etc. Quem aje assim, fazendo questão de citá-lo, como se isso tivesse a mínima relevância, acaba por fazer o jogo do sujeito, que cumpre pena de prisão perpétua em Nova York - meno male, porque, fosse no Brasil, já estaria solto faz tempo, ou na melhor das hipóteses (remotíssima hipótese) teria de ser solto no final deste ano, já que o assassinato de Lennon terá completado 30 anos, igualando nossa suposta pena máxima. Até hoje acontece o mesmo em relação ao assassinato de Sharon Tate - basta citá-la ou a música Helter Skelter, dos Beatles (na verdade, de Paul McCartney), e nos vemos no meio de informações abundantes e detalhadas de seus assassinos (que tb cumprem pena de prisão perpétua nos EUA), pelo fato de que eles 'teriam se inspirado' na canção para praticarem a brutalidade que efetivamente praticaram etc. Nada a ver. Argh.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

La Tregua

Mas meu livro preferido de Primo Levi é 'A Trégua', em que ele narra a épica jornada que se transformou seu retorno à Itália. Há várias passagens memoráveis, mas destaco aqui uma em especial. A que Levi descreve uma criança de três ou quatro anos, à beira da morte pela subnutrição. Ela havia nascido no campo e, nunca tendo saído dele, não tinha um nome e sequer sabia falar, se expressar, pelo menos não até aqueles primeiros dias iniciais de libertação, quando passou a ser notada e tratada com carinho por enfermeiras polonesas e ex-prisioneiros. A criança acaba não resistindo, e Levi, sem nenhuma pieguice e com notável economia de meios, realiza um tipo de relato ao mesmo tempo contido e intenso que seria impossível nas mãos de um escritor menos genial. O resultado é uma pequena obra-prima literária.

Data e Levi

Falando em 27 de janeiro, hoje faz exatos 65 anos que tropas russas libertaram o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. A descrição que Primo Levi faz dos dias que a antecederam, até o dia D final referido - experiência que ele compartilhou até o fim com inimigos, moribundos e principalmente dois prisioneiros franceses recém-chegados, presença que se revelaria de uma ajuda preciosa - é um dos grandes momentos da literatura do século 20 em minha opinião. Está nas paginas finais de 'É Isto o Homem?'.

Português

Gostei do JN de hoje usar a expressão ‘risco de vida’ para descrever a situação do jogador de futebol paraguaio Cabañas, que levou um tiro na cabeça no México (espero que se recupere, até porque se trata de um grande atacante, mesmo que não fosse, claro). Parecia que todos os veículos de tevê, inclusive os da Globo, tinham adotado para sempre o 'correr (ou não) risco de morte’, que acho péssimo. Bom sinal. Aliás, esse negócio de 'risco de morte' lembra bastante o caso da 'baixada paulista', que do nada começou a pipocar principalmente nas rádios, no lugar do tradicional e correto 'baixada santista'. Essa tentativa de mudar na marra uma expressão consagrada tampouco vingou, ainda bem.

Cumpleaños

Hoje Wolfgang Amadeus Mozart faz 254 aninhos - sua obra, um pouco menos. Parabéns amigo, muita saúde!

Belém

São Paulo virou Belém neste janeiro, já que todo santo dia, por volta das 14, 15 horas, chove. E tem caído não pouca água. Mas hoje (16h22) não choveu forte (ainda), foi só falar! Sempre gostei de temporais de verão (quem não gosta?), ver aquela quantidade incrível de água caindo me provoca uma sensação de paz imediata, um refresco para problemas mais urgentes, mas há tanta gente sofrendo com as enchentes na cidade, inclusive morrendo em decorrência dos alagamentos, que se trata de uma boa notícia.

Tks

Por falta de tempo, um post twitado: Robert Schumann é a própria delicadeza e beleza triste no seu trio para piano nº3, op 110. Tks, Gilberto Tinetti.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Deutsch e ondas curtas

Tem outra rádio do iTunes que escuto de vez em quando, a Swiss Classic. Esta tem bastante locução, até demais - em alemão, no caso. Não entendo lhufas, a não ser o nome do compositor, e às vezes da obra, orquestra e de alguns executantes. De qualquer forma, como acho a sonoridade do idioma bonita, não me incomodo, e ainda tento adivinhar quando sei que estão informando o número de uma dada composição. Sem sucesso claro, exceto no caso das obras que já conheço. A programação costuma picotar a música - um primeiro movimento aqui, um terceiro acolá etc, e isso incomoda bem, mas consigo relevar, porque ouvir um locutor falar em alemão me lembra de quando era criança e tentava sintonizar estações gringas em ondas curtas, no enorme rádio G&E vermelho que foi do meu avô. Chegava a pegar até russo e chinês, mas não me lembro de ter sintonizado uma em alemão legítimo. Voltei longe agora.

Música e feriado

Essa Radio Shymphony (do iTunes, Apple) nunca informa o que ou quem está tocando. Cheguei a me incomodar um pouco com isso, mas agora pelo contrário, estou achando ótimo. Muito bom simplesmente ouvir, reconhecer um ou outra, gostar ou não disso ou daquilo e pronto, relaxar e escutar. E é incrível, porque eles não param de tocar nunca e, como disse em outro post sobre esta estação on line, sua qualidade de som é excelente. De mais ou menos duas em duas horas o locutor aparece e anuncia rapidamente em inglês que estamos ouvindo a Radio Shymphony e finito, mais uma seqüência de duas ou três horas de música clássica na veia. Eles não são muito avançadinhos. Até agora, muito barroco, Mozart, Mahler, Beethoven e românticos em geral, aberturas de óperas famosas etc. Tem como reclamar? O leque podia ser mais amplo, com Prokofiev, Shostakovich e tantos outros, mas a proposta deles é bem legal e não duvido que contemple esses compositores tb, mas num horário menos nobre. PS: contra minhas convicções, estou sim, usando a rádio como fundo musical, no caso, para a leitura de Pornopopéia, de Reinaldo Moraes. Duas palavras sobre o livro: hilariante, genial.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Lajedão

Falando em viagens, tem uma coisa fascinante que é viajar de carro sozinho. A sensação de liberdade derruba qualquer clichê. No caso de as estradas serem boas, sem buracos (não sou de off-road), e quase desertas, é quase um transe, um tipo de meditação extremamente prazerosa. No Brasil isso é difícil, mas não impossível. Viajando de carro podemos escolher ouvir música selecionada a dedo, no último volume, ou o silêncio da estrada, dirigindo e vendo a ampla paisagem se movendo, é muito bom - isso tb acontece quando estamos num trem mas no carro temos o controle da velocidade, do volante, é uma sensação ativa que acho insubstituível. Comparado com camelar em filas de aeroportos, não dá nem para começar. Tem um amigo que faz ou fazia isso de moto, deve ser sensacional também, mas duas rodas não é minha praia. Pena que fiz poucas viagens do tipo. Sozinho mesmo, que me lembre, só uma. Em 2001, ainda solteiro, decidi do nada que iria para Diamantina, norte de Minas, a 700 quilômetros de São Paulo. Saí de casa às 6h00 e cheguei ao destino antes das 16h00. Não é que corri demais, é que a as estradas estavam quase vazias, era dia útil . O trecho que liga Curvelo a Diamantina tem, espero que ainda tenha, uma estrada à francesa, só uma pista de cada lado mas com asfalto bem escuro e lisinho, curvas e retas acentuadas, e o cenário é deslumbrante - meio árido, amarelado, mas com alguma vegetação e grandes rochas fazendo parte de um cenário maior, com montanhas a perder de vista. Imagino fazer este percurso de bicicleta algum dia (não aprendo a deixar de querer retornar, não tem jeito!), mas neste caso, em grupo. Esta viagem à Diamantina não é das mais longas, claro. Uma outra ocasião, desta vez acompanhado de um ex-amigo, voltei do sul da Bahia tb por Minas*, um trajeto de 1.600 quilômetros, quase sem parar, revezando na direção. Me lembro da sensação estranha de olhar para os moradores de cada cidadezinha que passava com um ar de quase pena por eles não estarem também viajando, se deslocando. É que uma vez na estrada nos acostumamos quase que imediatamente, deve ser algo atávico. Meu sonho seria fazer uma viagem pelo mundo dirigindo, mas toda a burocracia, má conservação da maioria das estradas e o perigo de assaltos etc, me fazem voltar à realidade. Ficar parado não deixa de ser ótimo, e a gente também se acostuma rápido. * As rochas ultradilatadas nas imediações de Teófilo Otoni são impressionantes. E a cidade de Lajedão, Bahia, que tem esse nome por causa de um maciço que forma um perfeito paredão, altíssimo, tb ficou na memória. Se bobear, volto lá para passar uns dias. Não tem jeito.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Considerações

Um razoável tempo atrás me incomodava quando um amigo ainda bem jovem – só um pouco mais que eu - e que viajava regularmente pelo mundo a negócios, dizia que para tal lugar com certeza nunca mais voltaria, e isso mesmo quando acontecia de gostar muito de ter estado lá. Era um tipo de realismo que eu silenciosamente desprezava - me soava como pura falta de sensibilidade. Porque para o sonhador meio bobo que era, não havia lugar no planeta que hipoteticamente eu tivesse conhecido que não pudesse retornar, por mais distante que fosse, seja porque teria adorado, seja pelo contrário, o que justificava uma segunda chance. Engraçado que foi preciso passar tanto tempo para admitir que meu amigo estava precoce e essencialmente correto – geralmente não voltamos para os mesmo lugares distantes perdidos no globo, não dá tempo. Hoje já nem me interessa tanto conhecer o mundo (prefiro ler), aliás, me permito inclusive não querer retornar a lugares mais acessíveis e prosaicos que já gostei um dia, como Ilha Bela, por exemplo. Mudança considerável. Mas ainda pretendo conhecer a ilha de Bali. Não é contraditório.

Photos

Neste belo sábado chuvoso, folheio livro* presenteado por minha mãe, com fotos antigas de São Paulo do final do século 19 e começo do 20**. É muito bom. Os textos explicativos são bem escritos e elucidativos. Gosto especialmente de poder ver a cara das pessoas, mas pena que elas quase sempre apareçam meio de longe. Tem uma maravilhosa, em que se flagra com alguma proximidade, por acaso – porque fica evidente que o fotógrafo buscava antes a fachada de um sobrado - um homem de meia idade, que parece encarar a câmera. Gosto de cogitar no que pensava, quais seriam seus anseios, medos, suas alegrias, como era seu jeito de andar, de rir, de falar, comemorar etc, etc. A foto é de 1904, ano em que meu avô materno sequer tinha nascido, faltavam ainda seis anos, 1910. Aquele senhor poderia ser, portanto, pai ou até avô de meu avô, ou seja, meu tataravô. Seus filhos e netos também já se foram há muito tempo, mas seus pensamentos - os de todos eles - quem pode saber? Na verdade, me parece que o objetivo número 1 dos fotógrafos daquele tempo raramente eram as pessoas, elas serviam mais de cenário. Claro que já havia bons retratistas, mas o ideal para mim são fotos (com proximidade) de pessoas, mas não posadas, e isso é difícil de conseguir. Uma vez, numa linda exposição de fotos do Rio da mesma época (no Instituto Moreira Salles, na Gávea), aconteceu: pude me deleitar com um quase close de um casal totalmente belle époque, ultraproduzido que, num domingo de 1910 (havia esta informação) se dirigia para uma missa (dava para ver a igreja, próxima, assim como a chegada de outros grupos de pessoas). Aquele casal estava de mãos dadas, de costas, e provavelmente era jovem, pois caminhava ao lado de duas crianças entre cinco e sete anos. Fiquei emocionado de imaginar o que passava por suas cabeças exatamente naquele momento. Fotos de gente têm uma profundidade quase inata, como se mal precisassem da habilidade do fotógrafo para se tornar boas, o que admito não ser verdade em muitos casos. Mas é que o que valorizo numa foto antiga raramente seria o que o fotógrafo da época buscava, aliás claro que não, pois só a passagem do tempo, se possível bastante tempo vai criar a beleza que aprecio, então imagino que isto ainda se dê hoje – os possíveis méritos estéticos que se obtém no presente tendem a ser desprezados no futuro, ao menos na fotografia. Assunto para um outro post. * "São Paulo de Piratininga - de pouso de tropas a metrópole" - seleção de José Alfredo Vidigal Pontes, fotos do arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, editora Terceiro Nome. **Algumas fotos voltam longe no tempo, como uma de 1860, mas quase sem pessoas, só ruas semidesertas. PS: este post é dedicado a meu amigo querido Marcelo Briza Bicudo, a primeira pessoa a me chamar a atenção para a beleza das fotos de gente.

Gosto

Por mais que tente, não consigo gostar de Dvorák, não me emociono com ele. Já desisti de tentar - é que está tocando no rádio. Um poema sinfônico, mas que não me soa poético, longe disso. É normal - seria loucura gostar de tudo o que é bom.

Pode comparar

No post abaixo, quando afirmo que os autores de novela são escritores, claro que não ignoro a diferença de linguagens que o texto comporta. Dramaturgos, roteiristas, autores de novela, minisséries, comics – todos escrevem para um meio visual, que possui outra linguagem, portanto os textos não são uma atividade-fim e serão transformados numa outra coisa, boa ou ruim. Não produzem literatura. Por sua vez, escritores de livros de ficção produzem, sim, literatura, que também será simplesmente boa ou má. Mas o ponto é outro. Woody Allen se diz, antes de mais nada, um escritor – ele cria e pensa seus filmes a partir do texto. Seus filmes são grandes (às vezes) porque bem realizados em suas etapas-chave, como direção de atores, fotografia, história fluente, cenários, mise-em-scene, ritmo, texto (quando há narração, algo recorrente em sua obra) diálogos etc. Mas, no caso de Allen, sem o texto, nada (literalmente) feito. É só um exemplo, porque sabemos que há cineastas essencialmente visuais, para quem o texto não diz muito. Mas no caso dos novelistas e roteiristas, a qualidade do texto é sempre fundamental. Até pela urgência e concreta falta de tempo da televisão em relação à fotografia, iluminação, cenários, direção de atores etc, a qualidade dos diálogos e uma trama fluente são essenciais. É literatura o que fazem? Não, não é. Mas são escritores? Sim, claro. Por isso dei a entender que é óbvio que um Manoel Carlos é muito melhor escritor que um mau ou medíocre ficcionista literário que, no caso, constitui uma verdadeira multidão – teoricamente, só teoricamente, não é difícil sentar e cometer um livro, já para ser um roteirista profissional é necessário no mínimo ser contratado... Resumindo, um livro de ficção ruim é má literatura, uma novela boa não é boa literatura, mas seus autores podem e devem ser comparados, só isso. Mas, e quanto aos grandes escritores de ficção e poetas? Estes são gênios incomparáveis, mas quase tão raros quanto Mozart ou Beethoven. Salve Conrad, Nobokov, Shakespeare, Tolstoi, Yeats, Pessoa.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Escritores, sim

Na verdade a gente no Brasil fica meio com vergonha de dizer ou admitir que acompanha novelas. Constato que fiz exatamente isso no post de baixo, justificando por que estaria vendo uma (falta de TV por assinatura etc). É isso é injusto com essa dramaturgia dita industrial, porque às vezes - não muitas, é verdade - são trabalhos que conseguem ser bonitos e podem nos comover, o que não deixa de ser o desejo primeiro (ou último) de qualquer obra de arte. Devido talvez à longa extensão, elas costumam ser desiguais; são ao mesmo tempo boas e fracas, mesmo quando se trata daquelas que mais acertam que erram. Já vi muita novela na vida, principalmente na infância e adolescência – quando elas beiravam os 100% de audiência (de aparelhos ligados). De uns tempos para cá muito menos, previsivelmente. A última que vi quase inteira foi Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva, em 2004 – antes dela tb vinha de um período longo sem novelas, uns 10 anos ou mais. Senhora do Destino foi muitíssimo interessante, com uma trama rica e grande atuações, e foi tb um grande sucesso de público, com audiência lá em cima, comprovando que é burrice subestimar o público médio. Na época Silva deu uma declaração de que gostei, comparando o autor de uma novela das oito com um piloto de jumbo. Hoje acho que ele foi muito modesto, porque escrever uma novela do horário nobre, mesmo com uma equipe ajudando, deve ser mil vezes mais difícil e complexo do que pilotar aviões, seja do tamanho que for. Os autores merecem mesmo ganhar milhões (espero que ganhem), porque são a peça mais importante de uma engrenagem que fatura muito - talvez já esteja na casa do bilhão se pensarmos em toda a estrutura que direta e indiretamente é montada a partir do zero. Autores com Aguinaldo – que só com 'Senhora' já estaria na história da televisão brasileira - Manoel Carlos, Janete Clair, Dias Gomes, Gilberto Braga, Lauro César Muniz e alguns outros são grandes escritores (macrorroteiristas), e que não me venha alguém falar que não são, por não produzirem livros de ‘literatura pura’ etc, porque isso é puro preconceito e/ou despeito. Geralmente saem da boca de alguns professores de literatura e certos autores de livros tão pretensiosos quanto fracassados. PS: muita gente gosta de detonar as novelas por causa de sua iluminação chapada. Mas é óbvio que, por mais recursos que a Rede Globo possui - e eles não são poucos, porque não podem ser poucos - não seria possível sofisticar a luz de cada capítulo, porque estouraria menos o orçamento que o tempo. Seria inviável, então a fotografia chapada tem de ser vista como uma liçença poética, como comummente se faz no teatro.

Atorzão

Sem medo de queimar meu filme, vou falar da atual novela das oito, Viver a Vida. Nada como não ter mais tevê por assinatura para atacar de aberta, que afinal não tem só futebol e Jornal Nacional. Mas voltando à novela, estou impressionado com a atuação do ator que faz os gêmeos – o médico e o arquiteto. Ele (ainda não procurei o nome) está não menos que brilhante. Como toda novela, a atuação desigual do elenco fica gritando o tempo todo, mas quando ele entra em cena, esse desequilíbrio fica ainda mais absurdo. O cara é muito bom. E uma coisa fica bem clara. Não tem naturalismo que afete o desempenho de um grande ator quando este quer trabalhar para valer um bom texto. Em tempo. O ator em questão é Mateus Solano, 29 anos incompletos.

Boa!

No livro Pornopopéia, é muito legal e divertido ler um pequeno parágrafo em que a editora Objetiva justifica que, a pedido do autor, as novas (e esdrúxulas) regras ortográficas que passaram a vigorar (por decreto presidencial) em janeiro de 2009 (e que só serão obrigatórias a partir de 2013), NÃO foram seguidas. Grande Reinaldo Moraes, grande!!

Not yet

A Era Digital só terá chegado de fato quando o problema do gargalo da conexão for resolvido. Quando nossa atual capacidade média de transmissão de dados já estiver multiplicada ao menos por 10 mil, um milhão, dez milhões de vezes, um bilhão etc, aí sim, viveremos outra era. No yet. Porque hoje é como se fôssemos a entusiasmada sociedade do fim do século 19, vibrando com seus telefones e luz elétrica. Tinham razão de vibrar, já que as mudanças trazidas por esses inventos - entre outros - tinham sido brutais, e em questão de poucas décadas. Mas sabemos, claro, que o jogo estava apenas começando, e lentamente. Hoje tb vivemos uma era interessante e efervescente, tecnologicamente falando, e podemos brincar com alguns inventos, mas eles tb esperam por aperfeiçoamentos no curto e médio prazos. Para multiplicar por milhões ou bilhões a capacidade de transmissão, só para continuar neste exemplo, possivelmente vai levar muito mais tempo do que gostaríamos. Mas mesmo bem antes disso já será divertido, ninguém tem dúvida - espero estar dentro do jogo para ver umas coisinhas. Quem sabe.

Gabriel

Tem uma rádio que faz parte do iTunes chamada Radio Symphony que é excelente (e com qualidade de som bem acima da média), pena não poder escutá-la no celular, já que não possuo um smartphone (e nem pretendo, tão cedo). Os locutores mal falam o que está tocando ou tocou, mas tenho quase certeza que ouço precisamente agora o quinteto para piano (e cordas) nº2, de Fauré. Parece que tem um programa do google ou apple que identifica a origem de qualquer melodia, bastaria cantarolar. Incrível. Seria o caso de instalar um para tirar qualquer dúvida. Mas agora já tenho certeza que é mesmo Fauré, uma peça maravilhosa. PS: quando pensei em dar o nome de Gabriel ao meu filho, tentei me lembrar de algumas personalidades que tinham o prenome, mas ignorei Gabriel Fauré (me bastou o Arcanjo mesmo!). Injustiça, porque foi um gênio da música.

No alto

Logo que Tevez estreou no Corinthians, percebi, para minha alegria, que se tratava de um excepcional atacante. Já sabia, claro, que ele tinha potencial, desde o tempo em que, ainda antes dos 20 anos, conseguia se destacar no forte Boca Juniors da época (2003 e 2004). Mas penso que foi no Corinthians, que Tevez, aos 21, amadureceu, me fazendo lembrar de Edmundo em sua melhor fase - pelo arranque, habilidade e velocidade incríveis. Além de tudo, tinha ótimo passe e finalizava bem, ou seja, um craque. Achei estranho o United não ter feito questão de segurá-lo. Bom, agora no City, vem mostrando que é de fato um dos melhores jogadores do mundo. Grande Tevez e PS: mesmo não tendo conseguido brilhar na Europa - ao menos brilhar como sabemos que pode - continuo achando Robinho um dos maiores jogadores de futebol que apareceu nos últimos 20 anos. Quem sabe, voltando para o Santos, ele volte a nos encantar, isso com a devida restrição de que sempre foi, à maneira de Pelé, um carrasco para o meu time. Mas tudo bem, porque no caso de acontecer - e espero mesmo que aconteça - temos Ronaldo, um legítimo monstro sagrado, gosto desta expressão.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Acervo

Lançaram há pouco uma nova tradução em português de As Aventuras de Augie March, um clássico do grande Saul Bellow. Gostaria de poder dizer que já o havia lido em inglês, mas meus recursos nesta bela língua até que existem, mas são meio parcos para ler livros grandes - demanda tempo demais, então me considero meio monoglota no quesito catataus, uma pena (uma grande amiga está lendo As Benevolentes no francês original, privilégio). Encomendei um exemplar. Desde muito novo ouço falar grandes coisas deste livro (acho que estava fora de catálago há tempos), lançado em 1953. Estou empolgado, o difícil é arrumar tempo - acho que vou voltar a ler no carro (parado e estacionado, bem entendido). PS: não ler bem inglês, por outro lado, me deixa menos ansioso, porque tenho uma boa noção da quantidade de títulos existentes em língua inglesa, algo inacreditável, empolgante.

Os outros

Quando dirijo sem pressa, às vezes gosto de observar os absurdos que os motoristas cometem o tempo todo para ganhar alguns segundos. O problema é que, quando também estou apressado, geralmente faço coisas parecidas. Argh para mim.

Má-fé

Pensando no post abaixo, constato que o comunismo soviético teve a grande sacada de conseguir reconhecer e captar certos anseios de liberdade de costumes ainda muito reprimidos nos anos 1910 e 1920, principalmente no que toca as mulheres, e que isso deve ter soado de fato bastante sedutor, e não só a elas. Penso que ainda hoje esse progressismo - que se revelou apenas de fachada, claro - segura as pontas (a duras penas) de certo marketing que a esquerda ainda tenta vender por aí. Joseph Goebbels também bebeu nessa fonte, e no seu caso, vendia até ecologia - no pacotão de uma nova sociedade que tb os nazis anunciavam que estaria por vir. Bom, o ditado 'quem vê cara não vê coração' nunca me soou tão verdadeiro, Deus me livre. Deus nos livre.

Proper time?

Ouço pelo celular as últimas sonatas para piano de Scriabin*. São atonais sem ser dodecafônicas, pois apesar de ter sido contemporâneo de Schoenberg, Scriabin pesquisou por conta própria – assim como Prokofiev e Debussy – um caminho alternativo à tonalidade. Mas queria enfatizar outra coisa. As sonatas a que me refiro foram compostas há mais ou menos 100 anos (prefiro as primeiras três sonatas deste gênio russo, mas agora isso não vem ao caso). Ouvindo a música já quase atonal de Scriabin, ela ainda me soa bastante experimental, uma audácia inacreditável na forma e conteúdo. Sabemos que as duas primeiras décadas do século 20 (as de 1900 e 1910) foram assim, vanguarda total, e não só na música: na pintura (Picasse, Braque, depois Dali), ciência (Einstein e Planck), poesia e literatura dadá etc, etc. Mas em relação aos costumes - e é aí que queria chegar - ainda era um tempo muito sombrio e atrasado. Uma época quase que exclusivamente voltada para os homens adultos. O resto - mulheres de qualquer idade e crianças - que fosse catar coquinhos. Pensando sobre isso, constato que é absolutamente normal, e não contraditório, que tenha sido assim (na prática ainda é, mas com outros atores). Porque acredito que a arte - ao menos a grande arte - no que toca a criação, é uma atividade solitária, particular, e aceita tudo, ou pelo menos não proíbe nada a priori. Mesmo os grandes movimentos e tendências artísticas nascem a partir de criações individuais. E se algo importante não for assimilado imediatamente, não deixará de existir por isso, e pode conseguir impor-se, ou no mínimo conviver com outras formas de expressão, com outros estilos, em não muito tempo. Stravinsky foi vaiado e quase levou tomates na cara, mas não corria risco de vida. Já os costumes estão incrustados na sociedade de forma coletiva, e mesmo mudando aos poucos, por iniciativas individuais, eles só se modificam ao se examinar uma fotografia maior do seu alcance. E quem os transgride corre riscos reais. Einstein impôs uma nova lei da gravidade, e mesmo que isso chocasse a sociedade – como chocou – uma nova verdade teve de ser aceita em pouco tempo, como de fato acabou por ser. Mas a demanda por mais liberdade para as mulheres, tolerância com opções sexuais diversas, menos rigidez hierárquica no trabalho etc, etc, só podia ser concebida naquele período como uma possibilidade no longo prazo, isso quando se pensava nela. As gerações só mudam aos poucos, e é apenas o resultado dessa mudança no longo prazo que propicia o surgimento de um novo cenário, que vai se renovando aos centímetros. Aquele avô avesso ao novo, mas que aceita isso ou aquilo, o pai já mais tolerante, mas nem tanto, o neto com outra cabeça – na verdade, quando o neto virar avô ou mesmo depois disso é que tudo terá de fato mudado. Mas a arte não precisa de tanto tempo, porque apesar de fundamental, ela é fruto de nossa criação, vem depois do humano e não antes, por mais elevada que venha a ser. *(no programa ‘Pianíssimo’, de Gilberto Tinetti, Cultura FM)*

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Os incomuns e os anormais

Tem gente que confunde ter uma vida incomum com ter uma vida anormal. E a explicação costuma vir da tentativa de decalcar a vida de algum ídolo, que, como todo ídolo, geralmente tem uma vida incomum devido à fama e ao sucesso (e dinheiro), mas não necessariamente leva uma vida anormal - já que a maioria se casa, tem filhos (ou adota), cria e educa esses filhos, sai com amigos etc. Essas pessoas acham que, detonando a tudo e a todos, vão conseguir se aproximar desse ídolo de alguma forma - supostamente imitando o estilo de vida daqueles artistas mais instáveis. Por isso viram junkies, alcoólatras, são arrogantes etc, etc, e tudo o que conseguem é levar uma vida anormal. Mas, se tivessem talento, iriam à luta para conseguir o que realmente almejam, que é fama e sucesso, ou seja, uma vida incomum, e nada demais nesta pretensão. Mas para isso teriam que trabalhar muito, e essa gente, além do escasso talento, não é chegada a suar a camisa. Mesmo um ex-junkie como Iggy Pop, teve de ralar muito para chegar onde chegou, e neste caso havia um talento descomunal e o destino atuando a seu favor (evitando que morresse). Viva Iggy Pop, o mais autêntico dos pop stars vivos.

Um PS

Não tenho nada contra o fato de Walter Salles ser um herdeiro bilionário, não mesmo. Reconheço que ele se tornou um cineasta de renome internacional à custa de trabalho e esforço próprios. Não subestimo o sucesso de ninguém - por isso respeito o sucesso da Xuxa, por exemplo, que igualmente precisou de doses de talento e trabalho para chegar onde chegou. Só que não sou obrigado a admirar o trabalho dela, não é verdade? Assim como não me sinto obrigado a aplaudir Walter Salles, pelo prosaico motivo que acho sua obra fraca, equivocada. De qualquer forma, pelo menos Salles não é pretensioso como Eduardo Coutinho, nosso "gênio" do cinema direto. Depois quero falar algo a respeito de sua obra.

De novo ele

Outra pérola de Salles é aquele curta que ele realizou para o filme Paris Te Amo (ou algo assim), em que vários cineastas convidados fizeram pequenos filmes usando a cidade como tema, nada muito original, mas tudo bem. Bom, em nova parceria com Daniela Thomas (sempre ela!), Salles resolveu atacar de... crítica social, claro. Resumindo a história, que já é bem curta. Uma bela colombiana, mãe de um bebê recém-nascido, não tem tempo de cuidar dele, já que precisa se deslocar todo o santo dia de seu quarto e sala de um distante distrito parisiense a um bairro chique na parte velha da cidade, onde trabalha de babá o dia todo para uma família de milionários - franceses com pedigree. Quanta contradição e injustiça, meu Deus! O filme é isso, mais nada, muito sutil. Para Salles, deveria ser proibido ser mãe e trabalhar para outras mães. Melhor que ela trabalhasse num bar, por exemplo – ser garçonete parece mais cool. Talvez fosse melhor ela não trabalhar, e gozar de merecida licença-maternidade, para poder se dedicar ao filho etc, etc. É claro que a situação não é a ideal, mas quem disse que a realidade de sua vida difícil na Colômbia não seria bem pior? Quem disse que o fato de trabalhar temporariamente como babá (com um salário nada desprezível) seria assim tão ultrajante, tão “contraditório”, ou mais contraditório que ser garçonete? Não precisa ser um Freud para palpitar que Salles deve ter tido a presença de babás em sua vida, e que isso, além do fato de ser um herdeiro bilionário, deve lhe provocar alguma culpa etc e tal. Daí a sair por aí realizando filmes demagógicos e populistas foi um pulinho – não sem antes mergulhar nas “contradições” do mundo rico e ultra tecnológico do Japão – quem sabe foi lá que teve seu “estalo”, estalo que o fez alterar a rota, literalmente. Não importa. O fato é que esse filmeco tb passou batido pela crítica brasileira, que não viu nada de errado com ele – um crítico conhecido teve a pachorra de escrever em seu blog que o filme de Salles era um dos destaques entre todos os curtas do longa!! Verdade que os demais não eram grande coisa, mesmo - gostei de um ou dois, se tanto (o de Gus Van Sant). Mas para mim é inegável que o filme de Salles conseguiu ser, de longe, um dos piores. É isso, viva nosso cinema tacanho e nossa crítica indulgente. Argh.

Pérola e sintoma

Tem uma cena em Linha de Passe, de Walter Salles, que considero sintomática de muita besteira a que já nos habituamos no Brasil, e não só no cinema. É aquela, já no final, em que o motoboy que decidiu virar marginal já está em seu segundo ou terceiro assalto, mas as coisas dão errado, e ele, para fugir da polícia, seqüestra um carro com o motorista dentro, obrigando este – com um revólver apontado para sua cabeça - a seguir com ele. Depois de um tempo, o assaltante obriga o dono do carro – que está visivelmente apavorado – a parar no meio de um campo de futebol de terra, já na periferia da cidade (São Paulo). Assim que o carro pára, dá-se uma verdadeira jóia da demagogia contemporânea. O diálogo exato não saberia reproduzir aqui, porque faz quase um ano que assisti ao filme, então reproduzo o sentido geral da coisa. O assaltante está muito nervoso e irritado, até aí tudo bem, isso seria de se esperar, já que é inexperiente e está lidando pela primeira vez com a possibilidade real de ser preso. Mas em seguida ficamos sabendo que a principal causa de sua irritação não é o medo, mas o fato de constatar que o fulano que está sendo sequestrado (só isso...) prefere não olhar diretamente para ele, assaltante. Isso, sim, seria o fim da picada e inaceitável... Fica subentendido que o filme encampa essa visão de mundo, reforçando que o dono do carro deve ser mesmo um boçal que merece passar pelo aperto que está passando - afinal, possui um "carrão" (!). Segue imediatamente o seguinte diálogo, um instant classic: “vocês da elite nunca olham para a gente, então olha agora, pelo menos, tô mandando“ etc, etc. O coitado, a contragosto, encara o rapaz, e faz-se um suspense sobre se haverá ou não uma execução. O happy end é que o assaltante libera o cara e sai correndo, que gesto mais nobre... Simplesmente patético, porque a tentativa de transformar a vítima em criminoso e vice-versa não é mais tentativa, é fato. E é duplamente equivocada, já que o filme não está sendo leviano apenas com quem “tem carros novos” – os eternos mauzinhos e culpados por todas as mazelas brasileiras – mas tb com a classe dos motoboys e pobres em geral, pois é como se todos eles estivessem a um passo da marginalidade, o que é altamente preconceituoso, absurdo, além de mentiroso. Mas nada como ser um bilionário descolado e premiado para poder cometer esse tipo de idiotice sem que a grande imprensa publique sequer UMA LINHA a respeito. Porque procurei na época, e não encontrei nada, claro, então decidi registrá-la aqui. Mas antes fosse só uma derrapada. Não é. O Brasil já virou, e faz tempo, o paraíso da demagogia barata, e ela passou a ser necessária inclusive para se obter financiamento público. Argh.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Atraso

Certos brasileiros adoram falar mal de um suposto mau gosto dos americanos em geral. É engraçado. Porque geralmente são brasileiros de classe alta ou média alta criticando norte-americanos de classe média média, ou baixa. Usam dois pesos e duas medidas, claro, mas o mais importante para mim é outra coisa. Acho que esse tipo de afirmação, de crítica, trai uma visão de mundo extremamente reacionária, que prega o atraso, mesmo que inconscientemente. E é fácil de entender por quê. O Brasil ainda tem uma classe média pequena - está crescendo, mas é proporcionalmente pequena - a grande parte é de pessoas com nível escolar muito baixo, qualificação idem, que pouco ou nada consomem, então não têm visibilidade para ser criticados, são meio que 'invisíveis' - para quem não sabe, mais de 70% da força de trabalho brasileira ganha no máximo um salário mínimo (dos quais mais da metade recebe bem menos que isso). Por isso não são atacados por esses cricris, pelo menos não diretamente, e por puro constrangimento, pena de nossos "coitadinhos" - os mesmos que lhes prestam serviço a baixo custo, sem reclamar muito. Mas esse é o ponto. Se o Brasil conseguisse, por exemplo, crescer em ritmo chinês por 30 anos (ou menos), nossas classes médias iriam aumentar muito com a chegada de um novo e maciço contingente de ex-pobres. De forma que a quantidade de consumidores aumentaria na mesma proporção, mas consumidores estes ainda sem muita informação e potencialmente "cafonas" etc. Portanto, quando e se isso de fato acontecer, o Brasil passará a ter, sim, uma quantidade muito maior de gente cafona viajando nos aeroportos, com roupas de combinações duvidosas etc, e isso seria ou deveria ser ABSOLUTAMENTE DESEJÁVEL. Mas parece que aqui não é... porque criticar um país como os Estados Unidos, exatamente por ele ter conseguido forjar uma classe média que, na prática, é a classe dominante, isso num território maior que o nosso e com população tb superior, é, no fundo, desejar que nós continuemos na mesma, que nada ou pouco mude no Brasil, e assim possamos continuar a vomitar nosso bom gosto em aeroportos do primeiro mundo. E um PS: a prática que citei de se usar dois critérios - nossa classe média alta detonando a baixa dos americanos - além de equivocada e meio covarde, é de uma ignorância total, porque essa gente fala como se os Estados Unidos não possuíssem, eles mesmos, uma elite cultural, social, científica etc, etc. Os descolados e chiques de lá, quando o são, costumam por no chinelo praticamente qualquer um que possa ser enquadrado nestas categorias aqui. E, óbvio, a quantidade de bacanas de lá é muito maior que a daqui, proporcionalmente, inclusive. Ufa, finito!

O Silêncio é nosso

Quem gosta de música sabe da importância do silêncio. Escrevi aquele post ("Música e histeria"), criticando quem ouve música o tempo todo, pensando exatamente nisso. Por isso acho engraçado ter havido na história da música uma figura como John Cage. Ele meio que reivindicava que a importância do silêncio era mérito seu, o que acho ridículo, porque agindo assim ele estava simplesmente tentando se apropriar do silêncio, do sagrado silêncio nosso de cada dia, tão raro quanto fundamental. A experiência do silêncio, como a luz do sol, a água, o olfato etc, é algo ao mesmo tempo intangível, particular e universal, individual, portanto não pode ser adquirida e reprocessada, como pretendia Cage. Esse é outro cuja obra é tão chata quanto desnecessária...

O iconoclasta

Uns anos atrás, em uma daquelas gostosas entrevistas formato bate-bola que aconteciam aos domingos na última página do caderno Cultura, do Estadão (pena que esta seção acabou), um músico e compositor brasileiro, com reconhecimento internacional, respondeu da seguinte maneira a pergunta sobre uma obra que seria "chata, mas necessária", ou algo assim. Implacável, cravou A Arte da Fuga, de Bach. Comentando isso com uma amiga, uns dias depois, ela tb não hesitou: "chata é a obra dele". Na mosca. Mas hoje, acrescentaria que a obra do sujeito, além de chata, é desnecessária, hehe!

domingo, 17 de janeiro de 2010

Clichês e Billie

Ouvir Billie Holiday é bom, muito bom, isso qualquer um sabe ou deveria saber. O problema dos clichês é esse - vc terá de avaliar cada um, duvidando sempre, a priori, o que demanda tempo. Mesmo sabendo de antemão que alguns são a expressão da mais pura e cristalina verdade. Billie é demais!

Influentes

Tostão foi um craque, mas um craque que, com o passar do tempo, foi sendo superestimado e virou um supercraque que acho que nunca chegou a ser - caso típico de presentismo. Casagrande, que nunca foi craque, apesar de centroavante acima da média, também foi aumentando consideravelmente de tamanho - não a ponto de ter virado craque, para o bem dos fatos. Vamos citar nomes? Supercraque, para mim - e Pelé e Garrincha não contam porque são hors concurs - seriam Zico, Cruyff, Rivellino, Zizinho, Puskas, Romário, Di Stefano, Maradona, Didi, Sócrates, Zidane, Ademir da Guia, Nilton Santos, Platini, Ronaldo Fenômeno, Eusébio etc, etc. Não citei Pedro Rocha, por exemplo, um craque, um grande jogador de futebol. Nem Gérson, Redondo ou Dirceu Lopes. Então por que Tostão seria um supercraque? Não foi. Mas ainda não cheguei aos centroavantes que considero craques - alguns, por acaso, chegaram à condição de supercraques, como Ronaldo e Romário. Vamos a eles: Careca, Coutinho, Romário, Gerd Müller, Ronaldo, Reinaldo, Serginho, George Best, Toninho Guerreiro, George Weah, Pagão, Van Basten, Eto'o, Rooney etc., etc. Casagrande teria chegado ao menos no mesmo nível de algum deles? Penso que não, mesmo que tenha sido bom, como realmente foi. Mas a Cesar o que é de Cesar. Para terminar, uma observação. Ambos passaram a trabalhar na elite da imprensa esportiva depois que se aposentaram no futebol. Ainda pretendo voltar a falar sobre isso.

Paixão

A Paixão Segundo São Mateus é daquelas obras que às vezes duvidamos que possam ter sido criadas por seres humanos, muito menos por um mesmo ser humano. E não é que foi?! Sua abertura, por exemplo, de tão elevada, simplesmente não pode nem deve ser descrita em palavras. Hoje, fato raro para mim num domingo, encontrei tempo para ouvi-la quase na íntegra, e agora, neste exato momento, e muito humildemente, agradeço a J.S. Bach por ter concebido este oratório monumental, amém. Chega, já falei demais.

Os generosos

Celebridades milionárias meio que disputando quem consegue doar mais dinheiro para a catástrofe no Haiti. Já fizeram isso em New Orleans - me lembro da imagem patética e ridiculamente pretensiosa de Sean Penn, grande ator, remando sozinho um tipo de canoa a motor, em busca de vítimas para ele "salvar", argh... Nada contra ajudar, mas acho que a ajuda deveria ser responsabilidade dos Estados, ricos ou não, capazes de bancar e organizar missões especializadas e com foco abrangente. É o que já está se fazendo, diga-se. Mas doações de pessoas físicas, eventualmente milionárias? São bem-vindas, claro, mas sem divulgação. Zero divulgação. Será que as celebridades topariam? E um PS: nada contra grandes fortunas patrocinarem grandes e pequenas causas, culturais ou não, e veiculando inclusive o nome da família. Mas em relação a catástrofes, tornar pública a ação nunca foi usual e deve ser limado o quanto antes. É, para citar um exemplo comovente, um tipo de avesso da proposta de trabalho de Zilda Arns.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Bridges

O grande escritor John Coetzee - que além de xará, nasceu no mesmo ano de John Lennon (1940) - nunca deu bola para a música pop, indiferença que se estendia aos Beatles, mesmo no auge da fama dos Fab. Preferia Alban Berg, opção que absolutamente não dá para criticar. Mas o que queria destacar é que, no livro em que narra sua juventude meio existencialista e difícil em Londres, nos anos 60, Coetzee cita um episódio de sua adolescência (ainda na Cidade do Cabo) que me tocou bastante. Não me recordo com exatidão, acho que se tratava de sua admiração por um poeta ou romancista que vivia distante (ou de quem ouvia pelo rádio alguns poemas de vez em quando, preciso checar) e da necessidade que tinha de comunicar isso de alguma forma ao emissor, no intuito de incentivá-lo a não parar. Ele pensava alto dizendo algo como “mensagem captada, câmbio”, - na verdade era esse o seu desejo, o de fazer chegar ao escritor que ele, John Cotzee, tinha entendido tudo, e que era para ele, escritor, continuar a produzir seus belos achados. Gosto de pensar que os textos, ou algum texto que escrevo neste blog, tb pode ser ‘captado’ por qualquer pessoa que viva na Terra e entenda o português. Ou, ao menos, por uma ou duas, que, como fez uma dia Cotzee, podem pensar alto: “mensagem captada, siga adiante”. É o que almejo aqui, e sei que não é pouco.

O racional

Gostei do presidente do Corinthians dizer o velho e bom óbvio. A declaração já tem um tempinho até. Que, por mais que esteja se reforçando, o Corinthians não tem a obrigação de vencer esta Libertadores 2010. Ficou subentendido que a obrigação é disputá-la, chegar às finais e, se possível, ser campeão. Muito bem dito, porque nenhum time ou seleção, por maior ou melhor que seja, tem a obrigação, a priori, de ganhar um título. Nem o Brasil de Pelé e Garrincha tinha, nem o Santos de Pelé e Pepe tinha – mas venceram quase tudo, mas sem jamais prometer que venceriam, porque isso é para os que não têm fibra, confiança, e precisam falar, falar, falar e falar. O Corinthians ficou na longa fila do Paulista principalmente por achar que, a partir de um dado momento, tinha a obrigação de ganhá-lo. Então, além dos óbvios problemas causados por Pelé, Coutinho, Da Guia, e tantos outros, mesmo já com o grande Rivellino, não ganhou nada, claro. Eis a lição, que as antas de sempre teimam em assimilar, mas que bom que a voz sensata vem de quem dirige o clube. Mas PS: sinto que sim, vamos ser campeões da Libertadores deste ano, quem viver verá!! PS2: a seleção brasileira está entre as favoritas, mas não é a favorita, portanto não tem a obrigação de vencer a Copa da África do Sul. Acho uma tremenda cafonice isso de os brasileiros se acharem sempre os mais cotados, os superfavoritos no futebol, e o pior é que imprensa só faz ajudar nessa crença tão provinciana quanto burra, enganosa. Tanto que, em 2006, torci pela França de Zidane, descaradamente. Por Zidane, em nome do bom futebol e tb por causa dessa nossa jequice. PS3: mesmo que em nome do bom futebol, não torço ou torceria contra o Corinthians jamais!

Mistério

Aliás, o surgimento e sucesso dos Beatles e de outras bandas britânicas sempre me intrigou. Por mais que se afirme que Liverpool, pelo fato de ser um porto que recebeu muitos combatentes americanos durante a II Guerra, e que mesmo antes disso já era cosmopolita exatamente por ser uma cidade portuária, onde se ouvia e via de tudo, não entra fácil na minha cabeça que jovens ingleses (de Liverpool ou não) do final dos anos 1950 pudessem sequer cogitar fazer algo remotamente parecido com rock’n roll, uma música germinada nos Estados Unidos por seleção natural ao longo de décadas, séculos, tendo bebido na fonte do folk, jazz, country, blues, rhythm and blues, até resultar em Little Richards, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Elvis. O fato de falarem a mesma língua não justifica, ou não deveria ser a explicação mais satisfatória. Talvez o fator Elvis, sendo ele branco, seja a chave, mas o fato é que os próprios Beatles - e isso existe até hoje entre músicos ingleses – se sentiam uns caipiras quando o assunto era os Estados Unidos da América. Qualquer coisa dos Estados Unidos, e quando no caso, era a música, então... Nem em sonho podiam sequer aspirar alguma comparação com estes monstros sagrados, que já eram mitos na época. Para mim seria como se portugueses, a partir do meio dos anos 60, senão no samba (mas talvez até nele), mergulhassem de cabeça na nossa bossa-nova, e que lograssem êxito! De qualquer forma, depois quero me aprofundar mais nesse assunto, porque o considero completamente ignorado. Nunca li nada sobre essa suposta contradição, ou pelo menos nada que me satisfizesse.

Destiny

Quando John Lennon estava para completar 21 anos, ganhou de presente de sua famosa tia Mimi um dinheirinho que deu para pagar uma viagem de fim de semana a Paris. A verba permitia até incluir um amigo, e ele chamou Paul – mas fizeram boa parte do percurso pedindo carona, para economizar e farrear. Engraçado que depois de famoso John quase sempre fizesse questão de mostrar suas origens proletárias. Na verdade, foi o único beatle de classe média, os outros sim, eram proletários (ou nem chegavam a tanto, como Ringo). O fato é que pôde cursar uma faculdade em Liverpool, no curso nada proletário ou técnico de Belas Artes. Essa viagem é típica de alguém que podia ter todos os motivos para ser rebelde – rejeitado que foi pelos pais, morte prematura da mãe, do tio querido etc – mas que pobre não era. Bom, mas era só para falar que houve um momento em Paris em que John e Paul, ainda dois desconhecidos, ‘complet unknown’, foram conhecer a torre Eiffel, coisa meio inevitável para qualquer turista que visita pela primeira vez a cidade. Gosto de imaginar a cena - começo de outubro de 1961, igual a tantas de todos os dias nesses últimos cento e tantos anos naquele mesmo cenário, senão pelo fato de que, pouco menos de um ano depois, estariam ambos começando um conto de fadas que os levaria ao topo do estrelato do show biz mundial, em qualquer tempo. Foram produto e ao mesmo tempo catalisadores de grandes e incríveis mudanças, mas naquele momento só estavam comemorando a maioridade de John, com um futuro incerto e pressões familiares para que tomassem outro rumo profissional. Mas já estava escrito.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Opções

Acho que João Gilberto não se tornou um grande compositor da MPB por pura falta de interesse - as duas ou três canções que chegou a compor são bem interessantes e apontavam para possíveis novos caminhos. Mas preferiu investir tudo na criação de um jeito novo de cantar e tocar violão, bem como no seu constante aperfeiçoamento. Ninguém pode dizer que não foi bem-sucedido na missão, porque a Bossa Nova já nasceu como um ritmo universal e eterno. Penso que Tim Maia e Fagner tb seguem nessa linha, não no que toca um novo ritmo, claro - mas é que eles chegaram a compor belas canções no início, mas preferiram investir na carreira de cantor, cada um com suas levadas preferidas, o que tb não foi pouca coisa, já que conseguiram voar alto aqui e ali.

Teatro de arte

Um alento saber que existe no teatro brasileiro um diretor com o talento e a competência de Marcio Aurelio. Pássaro do Poente", no distante 1987 (assisti no dia de Natal daquele ano, nunca me esqueci disso), me tocou fundo com sua linda história, dança, cenografia, gestual. Mais recentemente, idem Agreste. É um diretor que tem delicadeza de sobra, mas ao mesmo tempo muito rigor, exatidão no que quer passar, sem ser naturalista, ou preguiçoso, bem longe disso. Pássaro do Ponte, o primeiro ato de Cacilda! e Macunaíma estão entre as melhores coisas que já vi na vida, incluindo cinema, música etc. Depois gostaria de falar um pouco de Zé Celso e Antunes Filho.

Raul

Como Raul Cortez tem feito falta para a cultura brasileira - na TV, teatro, cinema etc. Digo isso porque ele ainda teria muito mais a dar, era do tipo de ator que, caso vivesse até os noventa e tantos, estaria trabalhando naquele seu nível elevadíssimo de sempre, até o fim. Uma vez fui apresentado a ele numa festa, em sua casa. Ainda era muito novo para me comover com isso, tinha outros ídolos, mais ligados à música (alguns tão inacessíveis quanto inexpressivos). Hoje seria bem diferente, e não teria vergonha de dizer da minha enorme admiração por ele. Perdi os memoráveis monólogos "Ah! América" e "Um Certo Olhar - Pessoa e Lorca" por pura inércia, assim como Rei Lear. Mas não perdi Amadeus, que assisti ainda adolescente, sem piscar - seu Salieri não era menos que soberbo. De qualquer forma, é preciso saber depurar o gosto rápido, e aproveitar o máximo possível da presença dos grandes artistas. Nossos vacilos raramente são compensados.

Costumes e Barbara

Barbara Heliodora me ganhou de primeira, quando, numa entrevista há uns bons 10, 12 anos (ou mais), explicou por que fazia (e ainda faz) questão de assistir precisamente a estréia para escrever a crítica de uma peça. Ela partia da constatação óbvia de que o preço do ingresso da estréia era cobrado como em qualquer outro dia da temporada, e por uma questão de respeito ao público pagante, ela deveria saber se a peça era boa ou ruim o mais rápido possível, para alertar as pessoas ou incentivá-las a ir ao teatro. Simples, de uma obviedade inquestionável, mas não no Brasil da época, porque a todo momento, quando a crítica não era favorável, Barbara contava que era interpelada pelos atores e diretores com um "mas por que vc não esperou mais tempo?, para a peça ganhar ritmo" e tal, absurdos para os quais ela tinha a tal resposta que o preço do ingresso era cobrado desde o começo, e não apenas a partir do momento que a peça ganhava "ritmo" etc, etc. Me lembrei disso por causa do post abaixo, claro. No fundo, essa camaradagem que se espera dos críticos, no Brasil, continua firme e forte. E, infelizmente, com a ajuda luxuosa dos próprios veículos...

Preguiça

Leio no Caderno 2 de hoje sobre uma nova peça de Enrique Diaz, 'In on It'. O título da matéria é uma opinião do diretor, nada modesta, por sinal, dizendo que a montagem brasileira seria melhor que a original, de Nova York. Ele tem todo o direito de achar isso, talvez a sua seja mesmo melhor. O que não consigo aceitar é a postura da editoria, que a encampa sem nada questionar, e ainda dá título à longa reportagem. Cadê a crítica? Não tem, só um texto entremeado com citações de Diaz. Fica claro que a autora do texto (Beth Néspoli) joga a favor da peça, até aí tudo bem, mas isso não é embasado por uma crítica escrita por ela, explicando por que a peça seria boa - ela simplesmente deixa no ar que sim, vale a pena pagar para ver. Não gosto disso, até porque este exemplo com Diaz está bem longe de ser exceção no Caderno 2, e tb em boa parte do jornalismo voltado para cultura e entretenimento no Brasil, internet incluída. Um jornal da importância de O Estado de S. Paulo, assim como da editoria do Caderno 2 não deveria se prestar a ser um simples divulgador. Prefiro o exemplo da Folha, em que, quando se trata das expressões artísticas populares e importantes como cinema, música e teatro (ainda), sempre há o cotejamento entre a opinião dos autores e a do crítico, em texto colocado na mesma página, mesmo que eventualmente menor que o da divulgação. Agora me deu vontade de falar de teatro.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Dica para alguém

Se só tiver 10 minutos e 41 segundos livres num dado dia, ouvir o adágio (ma non troppo, terceiro movimento) da sonata para piano nº 31, em La bemol maior (op.110), Beethoven, claro, possivelmente um dos dois ou três pontos mais altos que a música produzida por seres humanos conseguiu alcançar (porque não excluo a possibilidade de extraterrestres avançados terem voado alto também neste quesito e não apenas na tecnologia). Se o tempo for um pouco maior, ouvir, claro, a sonata inteira. Se possível, todas as 32, uma por semana. Voltando ao adágio, o contraponto da segunda parte cada vez mais me parece uma homenagem a Bach. Nunca li nada a respeito (talvez por ignorância), mas pode ser, porque a época em que a composição foi feita coincide com o período em que Beethoven se debruçou na obra do grande compatriota. PS: disse homenagem, mas penso ser mais do que isso. É como se Beethoven tivesse precisado fazer uso de um certo tipo de contraponto - levado às últimas conseqüências por Bach - para chegar aonde queria. E, tendo obtido êxito, pode-se dizer que, sim, trata-se também de uma homenagem, uma linda homenagem, de gênio para gênio. PS2: este post é dedicado ao meu pai, Bruno, e à querida amiga Jenny, grandes fãs das sonatas de Ludwig van e de sua música em geral. Em tempo, a intérprete em questão é a grande pianista Daniela Ruso.

Gripe

Incrível que até hoje a Gripe Espanhola não tenha rendido um grande livro no Brasil. Nava a registra, e as passagens estão entre as melhores de Chão de Ferro. Mas penso num livro só sobre os trágicos eventos que aconteceram no curtíssimo período entre outubro e novembro de 1918, que mataram até o presidente da República da época (Rodrigues Alves)*. O número de óbitos, só no Rio, teria ultrapassado inacreditáveis 18 mil pessoas, isso numa população que tinha pouco mais de um milhão, ou seja, quase 2% dos habitantes da cidade teriam morrido por causa da gripe. Estima-se que mais de 60% da cidade tenha adoecido - outro número assustador (mas não ponho minha mão no fogo especificamente por esse dado). A Espanhola, pelo pouco que li a respeito, era uma espécie de meningite elevada ao cubo, e claro, não havia antibióticos, o que compunha o filme de terror - famílias inteiras pereciam em questão de dias, não sem antes grande sofrimento. Fernando Morais chegou a anunciar que contaria essa história, mas isso há uns bons 12 anos, e até agora nada - a essa altura, é mais fácil supor que esteja no projeto de alguma biografia de Orestes Quércia ou Hugo Chaves, hehe! Pena, porque poderia ser um grande livro. Quem sabe Ruy Castro não se habilita? Ou Algum ficcionista? A ver. *Na verdade Rodrigues Alves adoeceu e faleceu pouco antes de assumir o que seria seu segundo mandato.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Modernos?

Gosto muito de Nava, mas, com exceção de Manuel Bandeira, não compartilho de sua admiração pela primeira geração de modernistas brasileiros. Melhor dizendo, não compartilho de sua veneração por eles. Na verdade, a proximidade era mais com os que vieram a se consagrar na década de 1930 - sua geração, - mas ele também foi amigo pessoal de Mario de Andrade, óbvia estrela de 22, a quem sempre conseguia um pretexto para elogiar, em suas memórias. Sempre considerei Oswald mais importante, mas hoje nem acho essa opção (preferir um ao outro) relevante, pois para mim é cada vez mais claro que Oswald e Mario criaram valor mais como agitadores culturais do que como criadores, ficcionistas de sua época. O que sobreviveu de cada um? Um poema aqui, outro ali, os títulos - realmente bem modernos, atuais até hoje, como Paulicéia Desvairada e Macunaíma (M.A) ou Rei da Vela, Manifesto Antropófago (Oswald) etc, mas os romances dataram, aliás, na minha modesta opinião, nunca chegaram a voar alto. As idéias e alguns pressupostos eram originais e interessantes, mas afundavam na (má) realização. Não dá para comparar a obra de nenhum dos dois com as de Drummond, José Lins do Rego, Jorge de Lima, Graciliano, Murilo Mendes, Cecília Meireles etc, etc. Mas esta geração, que é a de Nava (com exceção de Jorge de Lima, que regulava em idade com a dupla de Andrades), parece ter se sentido tão agradecida com a liberdade estética conquistada pelos 'pioneiros', abrindo-lhes as portas, que exagerou na admiração por eles - senão no aspecto puramente estético, consideravelmente nas relações pessoais, criando uma camaradagem que se revelou perversa. Basta lembrar o terrorismo que se promoveu em relação aos grandes de antes dos modernistas, colocados numa espécie de limbo, ou index sem volta, no melhor estilo stalinista. Olavo Bilac é só o caso mais notório, mas este pelo menos morreu antes (1918) da data-tóten (1922) - pior os que foram enterrados em vida, como Coelho Neto. Vou voltar depois ao assunto, tb para abordar a importância exagerada, quase canônica que se dava aos modernistas no Ensino Médio, no meu tempo de colegial - pelo que sei, isso não mudou nada até hoje.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Estética e ridículo

O artista flerta com o ridículo o tempo todo. Mas é assim ou melhor nem tentar. Sabemos disso, por isso os idolatramos quando acertam, principalmente quando acertam muito. Porque refletir a condição humana é difícil e não permite meio termo: é a consagração ou ele, o ridículo. As produções de qualquer gênero artístico consideradas medíocres - inclusive as estritamente musicais - são menos medianas que patéticas, mas nos acostumamos a relevar, ou a aceitar os pastiches, afinal inevitáveis. De qualquer modo, para mim, o que fará a diferença não é exatamente o tipo de linguagem (a posteriori), mas a forma de expressão obtida no ato da criação, a saber: esta e não aquela nota, esta e não aquela palavra, tom, passo, diálogo, jogo de cena, verso ou orquestração etc. Considero que a amálgama forma/conteúdo está sendo gerada ao se tomar todas e cada uma destas decisões. Não se trata simplesmente de procurar uma voz, ela tem de surgir a partir desta construção, tijolo a tijolo, mesmo que tudo saia quase que de primeira, à la Mozart e Balzac, ou leve anos, e isso se aplica a todo o fazer artístico. A técnica é fundamental, mas não determinante. Para encerrar, registro que João Ubaldo Ribeiro não vacila em O Albatroz Azul, um pequeno grande livro.

Blockbusters, internet e Bergman

Nos últimos cinco, seis anos os filmes blockbusters passaram por mudanças importantes que lhes conferiram um upgrade de qualidade. O resultado mais óbvio foi que se tornaram melhores, ou menos ruins de ver. O roteiro ficou menos previsível e careta, os finais menos felizes (às vezes até exageradamente tristes), a direção mais arrojada, os protagonistas e coadjuvantes escolhidos mais badalados etc. Meu palpite é que isto é decorrência direta da internet - o público médio, agora menos ingênuo e inocente, ficou mais exigente. Mas vale a máxima surrada de Giuseppe Tomasi Lampedusa de que 'algo tem de mudar para que tudo permaneça igual', porque o esgotamento de certas regras antes consideradas imutáveis - exatamente nas estrutura do roteiro maniqueísta, previsível, direção acadêmica etc, etc provocou mudanças apenas para que a máquina pudesse continuar funcionando. Bom, isso para dizer que assisti hoje Sherlock Holmes, de Guy Ritchie, e a sensação foi exatamente essa - na linha Batman, O Homem de Ferro e vários outros, o filme ameaça empolgar, mas para mim continua sendo mais do mesmo. Por motivos opostos, me provoca tanta angústia quanto um filme de Bergman. Mas, ao contrário dos filmes do sueco, esse sentimento de vazio não chega aos poucos, no decorrer do filme, e vai ficando. Ele me toma assim que o filme acaba, mas passa logo. Meno male. Quero ver correndo Duas Senhoras e Avatar - pelo que me falam, este último transcende o seu gigantismo.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Para fazer justiça

Quem tem pelo menos 40 anos ou quase e gosta de futebol, viu jogar o atacante Renato em sua melhor fase - no Guarani e São Paulo no final dos anos 70 e começo dos 80, época em que o jogador brilhou como poucos. Meia-direita (ponta-de-lança?) incisivo e hábil, Renato jogava na vertical, driblando em direção ao gol com muita velocidade. Acho que Kaká, tão (justamente) exaltado, lembra muito Renato, que no entanto nunca chegou a obter nem uma pequena fração da fama do colega mais novo. Talvez porque lhe faltasse a regularidade dos grandes craques, um atributo fundamental - é preciso jogar muito bem quase sempre. Mas Renato, ao menos no período Guarani-São Paulo, jogava muito bem quase sempre. O fato de realmente não ter sido um bom finalizador - daí o apelido pejorativo "Pé Murcho" - que evitei propositalmente citar até aqui porque acho injusto com o craque que ele foi - pode ter sido determinante. Mas Kaká, apesar de chutar melhor que ele, não é propriamente um especialista - não faz tantos gols. Talvez tenha atrapalhado o fato de ter sido contemporâneo de Zico, que apesar de tb meia-atacante, fazia quilos de gols, mas aí não vale, porque como escrevi em post do final do ano, considero o Galinho, depois de Pelé e Garrincha, o melhor jogador brasileiro da história. Faço questão de frisar que esse post não tenta diminuir Kaká ao compará-lo com Renato, que teria sido menor. Não é isso. Quero destacar as qualidades evidentes de Renato, para tentar mostrar que essa comparação é cabível, pois ele foi um grande jogador, infelizmente não devidamente reconhecido pela história do futebol. Mas aqui ele é.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Meteorologia e Bergman

Vi vários filmes aos 18 anos que me tocaram fundo e ainda tocam - aliás, exatamente por isso não subestimo ninguém com essa idade, pelo contrário. Vou citar quatro: Verdades e Mentiras, Dersu Uzala, E La Nave Vá e Fanny e Alexander (devo admitir que a lista podia incluir Citizen Kane, o problema é que o filme não me conquistou...). Pretendo falar de cada um mais adiante, mas me lembrei de tudo isso porque ontem andei fuçando temperaturas européias na web. Tem sido um inverno muito rigoroso por lá, e procurei pelas mais baixas em Moscou, Helsinque e Estocolmo. Helsinque, ainda às 18h00, estava com inacreditáveis (mesmo para eles) 20 graus abaixo de zero. Estocolmo, menos 15 e por aí vai (Moscou até que estava ok, com "só" 8 negativos). Aliás, a internet me fez realizar um sonho que tinha desde muito criança (saudades do grande Narciso Vernizzi!), e que na época era completamente impossível, o de saber instantaneamente a temperatura nas mais variadas cidades do Brasil e do mundo. Ainda não chega a ser instantâneo, mas é maravilhoso pra mim poder pesquisar à vontade - no ano passado flagrei pelo Google Earth 41 negativos numa cidadezinha da Sibéria, uau! Calor excessivo tb me interessa - já encontrei temperaturas de mais de 36 graus, em plena madrugada, no verão do Oriente Médio (Iraque e Arábia Saudita) e quase isso em pontos da África. Bom, ontem o frio na Escandinávia me fez lembrar Bergman (mas tb de Mika Hakkinen!!), então fiquei com vontade de rever Fanny, um dos grandes filmes que já assisti na vida. Aliás, os filmes de Bergman, pelo menos para mim, só são possíveis de ver quando estou numa fase boa, do contrário me fazem gelar de medo. Hoje daria para encarar.

Pizza e vida

Tenho comido pizza na padaria de baixo. Só um pedaço, geralmente de manhã. Os sanduíches já não consigo mais, são invariavelmente ruins, em qualquer padoca, o que varia é o grau de ruindade (mais ou menos gordurosos, ingredientes de segunda, de terceira etc). As pizzas não são lá grande coisa, mas já estão prontas, e só um pedaço não tem muita caloria e me serve de cafá da manhã (já que tb peço um café puro, este melhor que a média). O problema é que fatalmente tb vou enjoar de pedi-las. Reflexão ordinária para uma manhã de sábado luminosa...

Música e histeria

Tem gente que ouve música o dia inteiro, o tempo todo. São pessoas que trabalham ouvindo música, praticam esportes, fazem sexo etc, sempre com algum fundo musical. É aí que queria chegar - ouso dizer que essas pessoas não amam a música, porque acho que ela não nasceu para ser um mero pano de fundo. Ou melhor, pode ser, mas nesse caso ouvi-la terá sido um ato secundário. Quando escolho ouvir música, isso deve ser a principal coisa que estou fazendo naquele momento e tanto melhor se for um ato solitário, quase como a leitura, e mesmo que esteja dirigindo (sozinho) ou caminhando, já que conseguimos dar conta dessas atividades por reflexo, sem interferir na contemplação da música, até pelo contrário. Claro que tudo bem colocar música como fundo durante uma conversa, para uma visita, mas aí fica explícito que escutá-la está em segundo plano, é só um plus. Mesmo quando dançamos, o principal ali é estarmos dançando, a música é só o veículo, o detonador e tudo bem. O que quero chamar a atenção é que essas pessoas que ouvem música 15 horas por dia não se dão conta de que, provavelmente, a música quase NUNCA é prioridade para elas e isso é triste. Talvez a música lhes sirva apenas para encobrir o silêncio, o que é igualmente triste, pois o silêncio é vital e não deveria ser assustador. PS: o pior é que, em não poucos casos, esses ouvintes histéricos são músicos...

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Blog e twitter do Francis aos 80

Inevitável imaginar se hoje Paulo Francis teria seu próprio blog, e como ele seria. Talvez não se interessasse, mas por que não? Sua matéria-prima eram idéias que ele logo transformava em textos de primeira grandeza, então por que ao menos não cogitar a possibilidade, considerando que ele seria, claro, muito bem remunerado para tocá-lo? Imagino um blog dele no portal da Globo, por exemplo, com a mesma liberdade quase total que sempre teve - não sobraria pedra sobre pedra, não tem como evitar o clichê... Por sua monstruosa capacidade de trabalho (e gosto por boa remuneração), não duvido que blogasse sem interromper a coluna (Estado e O Globo) nem os comentários na TV Globo. Se isso acontecesse, não creio que o PT, pós-mensalão, ainda continuasse a existir... hehe! Bom, neste 2010 ele completaria 80 anos, e não duvido que estivesse tinindo, como aliás estava quando morreu, aos 66 - me lembro bem que os textos dos últimos três, quatro meses antes do infarto estavam melhores do que nunca: mais pessoais, confessionais, quase líricos. E nada a ver com alguma premonição do que estava por vir, é que ele era do tipo que só melhorava com a idade - caso chegasse aos 90 com saúde, não tenho dúvidas que seu texto teria alcançado um nível ainda mais elevado. O blog, certamente sensacional, seria um presente inestimável para aqueles que, como eu, não se satisfaziam com "apenas" duas gigantes colunas semanais. Salve! PS: quem sabe não fizesse também bom uso do twitter. Já consigo visualizar mensagens cabeludas que ele fosse metralhando durante encontros com amigos e colegas, no Rio, NY ou São Paulo - ou durante suas tradicionais (e curtas) férias em Londres e Veneza. Impagável, for sure!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Astonished

A história que segue é real e aconteceu hoje, no começo da tarde. Estava trabalhando (e de vez em quando postando) numa biblioteca com Wi-Fi, quando um senhor, aparentando uns 80 e poucos anos, senta perto de mim e me aborda super entusiasmado com seu netbook, realmente minúsculo, que lhe serve de plataforma de trabalho. Mas a empolgação dele é outra. Diz, sorridente, que após tantos anos, deixou de pagar a conta da conexão de internet. Por isso vem só de vez em quando a lugares como esse, para ler e-mails, dar uns telefonemas etc. Bem impressionado pela vitalidade daquele senhor ainda ativo, pergunto se não faz falta se conectar em casa. A resposta me deixou sem palavras. "Ah, mas eu me me conecto em casa, sim". Mas como, pergunto eu, me sentindo meio ignorante. "Simples! Procuro alguma conexão Wi-Fi dos meus vizinhos de prédio que não tenham senha, entro, navego, pego e-mails e continuo o trabalho". Pausa e ponto final.

Literatura Comparada e Presentismo

Aliás, falei em professores de literatura e me veio à cabeça certos cursos de Literatura Comparada. Muitos são pura picaretagem, em que os ditos especialistas gastam 100% do tempo tentando provar as motivações deste ou daquele grande escritor em uma dada obra (o que passava pela cabeça do gênio quando da elaboração do segundo parágrafo do décimo capítulo etc), praticando, portanto, um tipo de 'presentismo' descarado, explícito. Por presentismo, como definiu Paulo Francis, entenda-se a tentativa de dissecar o passado com os conhecimentos do presente, como se nossos antepassados, sem mais o que fazer da vida, só tivessem vivido para nos legar esse presente em que vivemos... E o pior é que, neste caso, mesmo com conhecimentos dos fatos históricos, os caras erram fragorosa e invariavelmente... e não poderia ser diferente, porque não dá pra misturar alhos com bugalhos: fatos concretos envolvendo uma coletividade é uma coisa, mas é quase impossível adivinhar o quê, como, de que maneira e em que grau esses fatos afetam cada indivíduo, gênio ou não... Argh.

Chão de Ferro

No final do ano encontrei uma brecha para reler Pedro Nava - fazia um bom tempo que não dava bola para ele. Na verdade, durante (toda) a década de 90, li tanto e tão repetidamente seus livros de memórias que parti para os comentaristas. Aliás, é preciso ter cuidado com certos ensaios de literatura feitos por 'especialistas', ou seja, professores de literatura. Às vezes são bem pertinentes, mas seus autores, quando não escrevem mal ou partem para a idolatria e verdades absolutas, quase sempre vêem defeitos na estrutura dessa ou daquela passagem, capítulo ou boa parte da obra analisada. Eu acabei me deixando influenciar (não de todo), comecei a ver pêlo em ovo e fui deixando o velho Nava para trás. Mas perto do Natal, não resisti a uma edição de Chão de Ferro que descansava na prateleira, me encarando - a única de minha coleção (que começou com meus pais) que comprei num sebo (em 1995), uma bela edição da José Olympio de 1976, já com coloração das páginas meio enferrujada, uma delícia. E o livro, se não arrisco a dizer que é o melhor, digo que hoje é o que me dá mais prazer. Tem várias, inúmeras passagens antológicas, me comove invariavelmente, é batata... Que livro maravilhoso, e apesar de ser o número 3 das Memórias, acho que pode muito bem ser o primeiro para quem ainda não começou a sequência, sem atrapalhar. Recomendo muito e PS: há um bom tempo Chão de Ferro foi reeditado e é facilmente encontrado nas boas livrarias da cidade. Uma pena que a José Olympio seja só passado, mas isso fica para um outro comentário.

Vida Alheia

Criei recentemente uma conta no Facebook, e noto que não se pode zapear à vontade por amigos de amigos se não fizermos o convite etc. Na prática isso é bom, porque as coisas ficam mais objetivas e seguras, mas foi inevitável lembrar do começo do Orkut, coisa de 4, 5 anos, até menos, quando dava para navegar ad aternum nos perfis dos amigos dos amigos, até cansar (hoje isso não deve rolar mais). E nem precisava ter conta, só Gmail, tanto que nunca tive um perfil lá (aliás tive, mas por muito pouco tempo, coisa de dois meses). Gostava, de começar por desconhecidos, até tentar fechar o círculo com algum amigo. Gostava mais ainda - como todo mundo - de fuçar esses desconhecidos, os gostos, listas de filmes, livros, férias, acabava rolando umas dicas interessantes, outras patéticas, mas no fim sobrava uma melancolia de constatar que somos muito parecidos nos nossos desejos, muito mais do que gostaríamos. Mesmo podendo ser essa diferença tão significativa quanto o 1,5% que nos diferencia dos chimpanzés. Por isso, em que pese o fim da brincadeira de espiar pelo buraco da fechadura, o atual mistério por trás de cada fotinho acaba soando melhor.

Estranhamento

Quando escrevi sobre Caetano, na hora de listar alguns outros grandes, não hesitei em escrever o nome de Assis Valente, já que ele compôs grandes canções e isso é de conhecimento geral, ou deveria ser. Mas o que eu não sabia até hoje, é que Assis Valente nasceu na mesma cidade de Caetano, Santo Amaro da Purificação, 31 anos antes (1911). Mesmo admitindo não ter lido nenhuma biografia de Valente, ainda sim acho surpreendente não ter descoberto essa coincidência em vários artigos e livros sobre MPB que li ao longo da vida, porque a considero relevante. Chega a ser estranho. Aliás, cabe um PS: Santo Amaro é mais falada hoje por causa de Dona Canô do que por Caetano ou Bethânea. Mas a mãe de Chico Buarque tb é centenária e ninguém fala nada! Cultura inútil do dia!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Literatura, currículo Lattes e Jabutis

Agora pouco, vejo casualmente (numa lanchonete) a escritora X, cerca de 40 anos, relativamente conhecida (nem tanto pelos livros). Lembrando de Littell (ler post abaixo), realmente ele deve incomodar muita gente que publica desde cedo um monte de insignificâncias - o caso de X - com uma espécie de currículo Lattes na cabeça. O raciocínio é o seguinte: vou publicando desde cedo, e a 'maturidade' se encarrega de me tornar um grande escritor(a). Quanta bobabem... Nada contra publicar desde cedo, mas será grande quem se tornar grande, óbvio, o que vale tanto para estreantes geniais como Littell - mas já não tão novos - como para os que começaram cedo e modestamente, mas foram se tornando importantes aos poucos. O mesmo para estreantes geniais precoces, como Rimbaud, por exemplo, mas nem precisa tanto - Gore Vidal começou bem aos vinte e um. O fato é cada um desses exemplos se aplica apenas a uma diminuta fração dos que se aventuram a criar algo, óbvio, porque a imensa maioria não chegará a lugar nenhum, seja com zero, um ou duzentos livros publicados... Mas é que essa conta parece que casa bem no Brasil, com algumas pseudo-sumidades premiadas ano sim, ano também, com Jabutis e outras baboseiras menores... Vale até para um ou outro Nobel... Por isso prospera.

As Benevolentes

Por falar em ocupação nazista na Rússia, esse assunto sempre foi um tipo de obsessão pra mim. Não só na Rússia, mas a ocupação que se deu em toda a Europa Oriental durante a Segunda Guerra. Por isso que fiquei tão fascinado com 'As Benevolentes', de Jonathan Littell (li o catatau de 900 e tantas páginas em cinco ou seis dias, em janeiro do ano passado). Fascinado e meio incomodado, porque é um escritor da minha idade que teve a ousadia, a petulância de encarar o assunto e a competência de fazê-lo como um Tolstoi, com quem chegaram a compará-lo, no que concordo. Littell se fechou em casa por três meses, escrevendo à mão (em francês) e pronto!, simples assim, estava terminada a obra-prima, seu primeiro livro de fato. Confesso que o feito me provocou alguma inveja (mas não muita, hehe). Tenho acompanhado a carreira dele, um francês criado em Nova York e que depois de famoso passou a viver em Barcelona. Já escreveu uns dois livros depois de As Benevolentes - sempre sobre o assunto fascismo pelo que entendi do título (ou seja, de como a humanidade pode ser má) - e a torcida é que o traduzam o quanto antes.

Caetano

Falando em compositores nascidos nos anos 1940, e mais especificamente dos brasileiros, seria o caso de destacar não propriamente esta década, mas o ano de 1942. Um ano terrível, em que a Alemanha nazista ainda vencia a guerra e mandava ver na Rússia, já ocupando um pedaço nada desprezível do seu território. Mas foi neste ano que nasceram Caetano, Jorge Ben, Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. Portanto, para quem gosta de MPB - e eu já gostei, ou já gostei bem mais - é um ano crucial. Mas vou me ater a Caetano Veloso. No que toca as canções, para mim ele é, de longe, o maior compositor brasileiro, em qualquer tempo. E não me refiro apenas às letras - isso é uma bobagem, porque canção é a arte de fazer bem a amálgama letra/melodia. Há quem faça boas letras mas não consegue fazer decolar uma canção, e vice-versa. Por isso existem as parcerias, mas há quem consiga fazer tudo sozinho e bem, ou muito bem, como ele, Bowie, Dylan, Neil Young, não muitos mais. Então não vale falar que ele é um 'bom letrista', como muita gente que o despreza faz ao fingir que o elogia - nos melhores trabalhos, a amálgama que ele já conseguiu produzir é uma alquimia de primeira classe, sem paralelo. E Caetano foi um caso raro de mestre/virtuose desde o início, (como Dorival Caymi), e se sua obra passou por uma evolução, ela foi rapidíssima e consciente - do LP 'Domingo' (1967) para o 'Caetano Veloso' (1968), em menos de um ano. E num período relativamente curto, ainda na fase inicial da carreira, foi capaz de compor, sozinho, Baby, Tropicália, Janelas Abertas nº2, Os Argonautas, Alegria, Alegria, Paisagem Útil, Superbacana, Atrás do Trio Elétrico, Saudosismo, Frevo Novo, Chuva Suor e Cerveja, Como Dois e Dois, Você não Entende Nada, London, London, Maria Bethânia, It´s a Long Way, You Don’t Know Me, Nine Out Of Ten, Drama. É um dos maiores criadores brasileiros em qualquer época, simpatize-se ou não com ele - e não estou desprezando por isso grandes da MPB como Jobim, Braguinha, Lamartine, Ary Barroso, Chico Buarque, Noel, Tim Maia, Assis Valente, Edu Lobo etc, etc, é que considero Caetano um caso à parte pela rara combinação de ousadia, inventividade e domínio letra/melodia. Mas há um bom tempo não tenho tido vontade de ouvi-lo. Talvez seja uma fase. Mas ao escrever esse post, me deu vontade de escutar 'Saudosismo', não na versão original (com Gal Costa, que é muito boa por sinal), mas a do próprio compositor, acompanhado só de violão, gravação que ele fez em Nova York em 1985. E de dizer que 'Livros', que já é do final dos noventa, é uma grande canção.

Datas e Mendelssohn

Sempre me intrigou que um curtíssimo período da história tenha concentrado o nascimento de tantos grandes da música. Em pouco mais de quatro anos vieram ao mundo Mendelssohn (1809), Chopin (1810), Schumann (1810), Liszt (1811) e Wagner (1813), mas sem forçar muito (só um pouquinho) daria para incluir Berlioz (1803). E isso nem é tão incomum, já que um trio da pesada como Händel, Bach e Scarlatti nasceu no mesmo 1685, incrível! E apenas três anos antes, Rameau... E forçando um pouco, como fiz com Berlioz, daria para acrescentar o grande Vivaldi, que é de 1678. Lembra tb o começo dos anos 40 para a música pop - no Brasil e no mundo. Tudo isso para falar da minha admiração crescente por Feliz Mendelssohn. Que compositor magnífico! Acabei de ouvir seu trio nº2, opus 66, de estremecer. É ao mesmo tempo lírico, profundo, triste, alegre, enxuto, exato. Volto depois para falar de minha veneração por Chopin.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Frescobol

Millor que me desculpe, mas o frescobol deveria obedecer a uma pré-condição para poder ser jogado na praia numa boa: que ela não esteja cheia, ou muito menos apinhada de gente. Porque imaginar que vc pode levar uma bolada em qualquer lugar do corpo não ajuda a relaxar, e supostamente vamos a praia mais pra isso. Fico achando esse povo um bando de malas. As praias do Rio a que ele está acostumado - onde parece que inventou a coisa - mesmo tendo perdido uma parte considerável de areia, ainda são bem mais largas que a média nacional. Mas eu não estava lá, o que é uma pena pra mim - nem tanto nessa época do ano. Devo confessar que mesmo nas praias desertas acho esse esporte chato. Aliás em qualquer lugar. Viva os esportes vulgares com pontuação!! PS: durante meu tempinho na praia, cismei que um cabeludo quarentão iria me incomodar de alguma forma. Demorou um pouco, mas aconteceu: o sujeito começou a jogar frescobol todos os finais de tarde, de um jeito frenético, e até na água (!), perto de mim em qualquer circunstância... PS2 fica para um próximo verão comentar o grau de falta de civilidade de gente que leva à praia cachorros e outros animaizinhos.

Cuidado com os telejornais

Elogiei abaixo uma estação de rádio, então me chegaram do nada lembranças recentes de dois telejornais da TV aberta. É que não tenho podido acompanhar o Jornal Nacional, mas estou livre entre as 19h e 20h, aí a tentação é grande de ligar num noticiário. Mas é preciso ter um tipo de tolerância que acho que já perdi. Voltando às lembranças, um é produzido pela TV Gazeta, outro pela TV Bandeirantes. Tenho ou tinha simpatia por ambas as emissoras, principalmente por alguns programas saudosos e bem feitos que já saíram de lá, e às vezes ainda saem, mas seus telejornais... O Jornal da Gazeta produziu por quase 20 anos talvez o pior telejornal do Ocidente, com seus apresentadores sofríveis fazendo humor involuntário quase o tempo todo. Os comentaristas, com a boa exceção de Mauro Chaves, são de dar nos nervos, isso quando tb não provocam gargalhadas. As reportagens são inacreditáveis de ruins, com textos abaixo da crítica, abordagens equivocadas etc. A pauta, por sua vez, não ajuda muito... Bom, mas ele reinava praticamente sozinho no quesito ruindade, até que a Bandeirantes, há coisa de alguns anos, mudasse todo seu jornalismo na TV para colocar no ar, com alterações pontuais, o que se pode ver nesse atual formato do Jornal da Band, que está conseguindo superar a rival em todos os aspectos. O pior é que nesse telejornal não dá para rir, e é triste tb pela postura chapa-branca - além, claro, da ruindade geral dos repórteres, apresentadores, pauta, texto, tudo. Enfim, a concorrência é sempre bem-vinda e o Jornal da Gazeta terá de correr atrás para recuperar o posto, hehe

Rádio boa

Falando em estrada, já meio perto de SP, sintonizamos meio por acaso a rádio Sulamérica (FM 92.1), uma estação especializada no trânsito de São Paulo. Ontem noticiava a situação nas estradas, com boletins curtos e precisos, e programação musical entre eles. Foi uma boa surpresa notar que os repórteres se comunicam bem, se expressam bem, são fluentes e articulados (no bom sentido), algo que deveria ser trivial, mas não é. O âncora tb manda bem, com postura crítica no ponto, sem exagerar ou fazer média, enfim, fala coisa com coisa. E a seleção musical tb estava ótima. Incrível isso.

Democracia à brasileira

Na volta para SP, nos pontos de congestionamento, carros novos e velhos passando a toda pelo acostamento. Nisso o Brasil é bem democrático - o respeito ao direito de burlar continua sagrado... Argh.

Comments - agora pra valer

Sem saber, tinha deixado o blog na configuração em que só usuários do Gmail podiam deixar comentários - o que seria absurdo, mas já estava salvo assim desde o início e eu não tinha me tocado até agora. E pena que os eventuais comentários que chegaram foram perdidos. Mas agora alterei e está resolvido. Pelo menos posso fantasiar que foram dezenas, centenas, milhares hahaha! PS: Flávia, por favor, mande de novo seu comment, ok? Feliz 2010!