quinta-feira, 25 de março de 2010

La mala educación

O ex-diretor da Radiobrás, Eugênio Bucci, em artigo no Estadão de hoje ("A imprensa não vai tão bem assim"), se mostra muito preocupado com um tipo de jornalismo que, para ele, faria o papel de ‘tribuna acusatória’. Baseado em pesquisa recente sobre a imprensa brasileira, Bucci introduz a conhecida ladainha, de viés totalitário, de que não caberia à imprensa fazer denúncias, coisa muito feia, que deve se restringir ao Ministério Público - fiscalizar até que tudo bem, mas denunciar, não mesmo. Não suporto o tom do seu texto, pseudo-suave, com aquele verniz de censor ‘boa gente’, que só fala para o nosso bem, mas avisa que pode puxar (ou autorizar que puxem) nossas orelhas, se achar necessário. Uma afirmação dele à época do mensalão diz muito sobre sua mentalidade: logo que deixou de ser o manda-chuva da Radiobrás, aquela da 'Voz do Brasil' e 'Café com o Presidente', entre outras pérolas do jornalismo oficial, e não sem antes se gabar de que havia "profissionalizado" o lugar, teve a pachorra de dizer que a agência teria realizado uma cobertura das mais isentas e contundentes da imprensa brasileira sobre o caso!, - foi a piada do ano, já que ele nunca apurou nenhum fato novo e, claro, deixou sempre de lado as maiores complicações para o governo Lula. E até aí tudo bem, porque é óbvio que uma agência estatal não tem independência suficiente para levantar a voz contra o governo, seu patrão. O que espanta é a hipocrisia do discurso de Bucci, além da vaidade de se supor diferente dos chefões anteriores da Radiobrás, querendo se diferenciar por uma suposta isenção inédita, mas só fictícia. Pelo artigo, ficamos sabendo que Bucci prefere um jornalismo apartidário, mas que na verdade trai sua preferência pelo isentismo chocho, manipulável - a pretexto de ler a pesquisa como um puxão de orelha dos leitores aos jornais, insatisfeitos que estariam com uma suposta "polarização" excessiva, ele prega moderação aos editores, dando a entender que, hoje, a opinião geral seria de que a imprensa brasileira não passaria de um mero "aparelho sob controle da oposição". É inacreditável. Em que país ele vive?? Tem internet? - o apoio da "mídia" ao governo Lula, por exemplo, chega a ser constrangedor, e não o contrário... Com exceção de SP, Rio e mais algumas poucas exceções, esse adesismo é recorrente no Brasil, em todas as esferas de governo. Na verdade, a imprensa, além de fiscalizar o governo, tem o papel de defender os valores democráticos, sem medo de bater pesado em grupos ou pessoas, influentes ou não, que tentam colocá-los em cheque. Quanto à possibilidade de se equivocar, se isso acontecer, perderá o que lhe é mais caro, a credibilidade, e, eventualmente, pode responder na Justiça por denúncias que se mostram infundadas - faz parte da rotina em estados democráticos. Bucci sempre se omitiu quanto a isso, e o faz novamente neste texto – ele parece nos prestar um favor ao não defender, por exemplo, a postura editorial de um Granma cubano, afinal ele não é um radical, claro que não, apenas um “crítico” do modelo de negócios vigente no meios de comunicação, principalmente nos países verdadeiramente livres. Nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, os grandes jornais não escondem inclusive as suas preferências ideológicas (New York Times democrata, Wall Street Journal republicano, idem as TVs etc.), sem que isso altere minimamente sua crença na defesa intransigente dos valores democráticos, alicerce maior da sociedade americana. Na Inglaterra, outro país de ponta na garantia do direito de expressão, a grande imprensa tampouco esconde suas inclinações políticas (The Guardian à esquerda, Times e Financial Times à direita etc.), e os tablóides, por sua vez, devassam a vida das celebridades e dos políticos importantes, e ai de quem for flagrado por eles cometendo ilegalidades ou crimes - mas quando vacilam, tomam processos milionários. Claro que Bucci não concorda com nada disso (posso apostar que, no caso dos tablóides, deve achar que eles são apenas a expressão da hipocrisia nas sociedades puritanas!), ele prega um tipo de isenção chapa-branca que está autorizada apenas a sugerir os fatos ao MP, nada muito além disso, - Collor não teria caído com uma imprensa tão comportada, apolítica. Sorte que esse raciocínio torto cai imediatamente no vazio ao evocarmos o célebre caso Dreyfus, no fim do século 19 – Émile Zola enfrentou o poder constituído com fatos, coragem e talento. Jamais o faria com adesismo travestido de civilidade.