segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Spielberg e Santos

Voltando aos posts da cenas, tem uma que lembrei depois, absolutamente essencial para minha vivência cinematográfica. A parte final de Os Caçadores da Arca Perdida, quando os rostos, as cabeças daqueles que ousaram olhar para a arca recém-aberta começam a derreter. Ainda adolescente, fiquei tão excitado e surpreendido com o que via que decidi ficar na sala para assistir a sessão seguinte, só para poder revê-la o mais rápido possível, primeira e única vez que fiz isso na vida (para isso, ajudou muito ter ido ver o filme sozinho - acho que por isso prefero ir ao cinema desacompanhado). Também de Spielberg, este em plena infância* (conseguia entrar em filmes proibidos em Santos), a cena de Tubarão, em que o pescador vai escorregando para a boca do enorme tubarão branco, que o aguarda com a cabeçorra acima da superfície. Tinha uns 9 ou 10 anos, e foi como se o tempo tivesse parado naqueles 3 ou 4 minutos, e o coração fosse sair pela boca, com o perdão do clichê. Movies. * Mesmo pequenino, tb vi este filme sozinho, num cinema da Av. Ana Costa - nas minhas férias em Santos, às vezes minha tia me deixava andar por minha conta (mas nenhum risco!).

Carnaval

Carnaval. O carnaval acabou, faz tempo. Mesmo as escolas de samba do Rio, apesar das baterias sinfônicas, há muito me soam fake, deslocadas em sua grandeza. A questão é basicamente uma só: a transgressão que o carnaval de fato significava foi sendo aos poucos assimilada e incorporada pela sociedade, e a globalização e internet fizeram o resto. Não que não existam valores a serem transgredidos neste começo de século 21, claro que sim, mas o carnaval não conta da tarefa, ou seja, não serve mais para nada, virou só mais um longo feriado para as classes médias urbanas pegarem a estrada e passar uns dias fora. E claro, o turismo macumba pra turista de Salvador, Olinda e adjacências tenta faturar da melhor maneira, e nada contra isso, cada um gaste seu dinheiro do jeito que preferir* (e há coisas bem piores, como retiros espirituais, por exemplo). Vá lá que até o final dos anos 70, além das grandes escolas de samba, aquelas quase orgias nos salões de clubes do Rio (tipo Vermelho e Preto) ainda garantiam uma certa exclusividade e charme decadente ao carnaval, que ainda convivia com aqueles desfiles de fantasias de alta costura em que tipos interessantes como Clóvis Bornay - de antigos e gloriosos carnavais - podiam reinar, mas nada disso sobreviveu à década seguinte, e nem teria por quê. Com a progressiva liberalização dos costumes, ninguém precisava mais dos dias de folia para se esbaldar em festas de arromba, que passaram a ser o trivial e cada vez mais acessíveis (alguém falou em embrião do funk carioca?!). Fico pensando nos memoráveis carnavais dos anos 1910, 20, 30, 40, até mesmo os dos 60, quando a festa pagã era mesmo - ou podia ser - um divisor de águas de cada ano, às vezes um divisor de águas da própria existência dos foliões - as grandes farras ficavam como registros e serviam de bússola da infância, adolescência, vida adulta, maturidade e velhice. Claro que o fato de ter caducado foi uma grande notícia para todos, porque convenhamos que precisar de um curto período de quatro dias para extravazar sentimentos reprimidos hoje nos soa terrível. E inútil, já que, se for o caso, dispomos de praticamente o ano inteiro para isso - divertir-se passou a ser uma obrigação quase constante, impositiva e banal, e isso em praticamente todo o país, não só nas grandes cidades. Não duvido que o termo balada - saída, acho, aqui de São Paulo - seja compreendida por uma criança ianomami, e acho que por isso o feriado bancário da manhã da quarta-feira de cinzas me soa tão patético. PS: andaram tentando ressuscitar as marchinhas. Ontem, por acaso, ouvi a vencedora de um concurso promovido pela TV Globo, composta por um químico aposentado. Muito boa por sinal - melodia rica, refrão grudento - mas claro, chegou tarde. Considero que algumas marchinhas, geralmente esnobadas pelos críticos de MPB, estão entre as melhores criações da canção brasileira em qualquer tempo, mas hoje são apenas pastiches, mesmo que boas, porque as marchas eram a ponta de um iceberg que mobilizava todo o Brasil, e envolvia a nata dos compositores, com seu poder e prestígio. Mas foi morrendo junto com o carnaval. Pelo menos foi uma morte digna. * Para mim, o fenômeno carnaval brasileiro é algo essencialmente carioca, da cidade do Rio de Janeiro mesmo. Em qualquer época. As festas das outras localidades, por mais simpáticas que possam ter sido, já nasceram fake, mas ficaria para um outro post explicar por quê.