quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Acervo

Lançaram há pouco uma nova tradução em português de As Aventuras de Augie March, um clássico do grande Saul Bellow. Gostaria de poder dizer que já o havia lido em inglês, mas meus recursos nesta bela língua até que existem, mas são meio parcos para ler livros grandes - demanda tempo demais, então me considero meio monoglota no quesito catataus, uma pena (uma grande amiga está lendo As Benevolentes no francês original, privilégio). Encomendei um exemplar. Desde muito novo ouço falar grandes coisas deste livro (acho que estava fora de catálago há tempos), lançado em 1953. Estou empolgado, o difícil é arrumar tempo - acho que vou voltar a ler no carro (parado e estacionado, bem entendido). PS: não ler bem inglês, por outro lado, me deixa menos ansioso, porque tenho uma boa noção da quantidade de títulos existentes em língua inglesa, algo inacreditável, empolgante.

Os outros

Quando dirijo sem pressa, às vezes gosto de observar os absurdos que os motoristas cometem o tempo todo para ganhar alguns segundos. O problema é que, quando também estou apressado, geralmente faço coisas parecidas. Argh para mim.

Má-fé

Pensando no post abaixo, constato que o comunismo soviético teve a grande sacada de conseguir reconhecer e captar certos anseios de liberdade de costumes ainda muito reprimidos nos anos 1910 e 1920, principalmente no que toca as mulheres, e que isso deve ter soado de fato bastante sedutor, e não só a elas. Penso que ainda hoje esse progressismo - que se revelou apenas de fachada, claro - segura as pontas (a duras penas) de certo marketing que a esquerda ainda tenta vender por aí. Joseph Goebbels também bebeu nessa fonte, e no seu caso, vendia até ecologia - no pacotão de uma nova sociedade que tb os nazis anunciavam que estaria por vir. Bom, o ditado 'quem vê cara não vê coração' nunca me soou tão verdadeiro, Deus me livre. Deus nos livre.

Proper time?

Ouço pelo celular as últimas sonatas para piano de Scriabin*. São atonais sem ser dodecafônicas, pois apesar de ter sido contemporâneo de Schoenberg, Scriabin pesquisou por conta própria – assim como Prokofiev e Debussy – um caminho alternativo à tonalidade. Mas queria enfatizar outra coisa. As sonatas a que me refiro foram compostas há mais ou menos 100 anos (prefiro as primeiras três sonatas deste gênio russo, mas agora isso não vem ao caso). Ouvindo a música já quase atonal de Scriabin, ela ainda me soa bastante experimental, uma audácia inacreditável na forma e conteúdo. Sabemos que as duas primeiras décadas do século 20 (as de 1900 e 1910) foram assim, vanguarda total, e não só na música: na pintura (Picasse, Braque, depois Dali), ciência (Einstein e Planck), poesia e literatura dadá etc, etc. Mas em relação aos costumes - e é aí que queria chegar - ainda era um tempo muito sombrio e atrasado. Uma época quase que exclusivamente voltada para os homens adultos. O resto - mulheres de qualquer idade e crianças - que fosse catar coquinhos. Pensando sobre isso, constato que é absolutamente normal, e não contraditório, que tenha sido assim (na prática ainda é, mas com outros atores). Porque acredito que a arte - ao menos a grande arte - no que toca a criação, é uma atividade solitária, particular, e aceita tudo, ou pelo menos não proíbe nada a priori. Mesmo os grandes movimentos e tendências artísticas nascem a partir de criações individuais. E se algo importante não for assimilado imediatamente, não deixará de existir por isso, e pode conseguir impor-se, ou no mínimo conviver com outras formas de expressão, com outros estilos, em não muito tempo. Stravinsky foi vaiado e quase levou tomates na cara, mas não corria risco de vida. Já os costumes estão incrustados na sociedade de forma coletiva, e mesmo mudando aos poucos, por iniciativas individuais, eles só se modificam ao se examinar uma fotografia maior do seu alcance. E quem os transgride corre riscos reais. Einstein impôs uma nova lei da gravidade, e mesmo que isso chocasse a sociedade – como chocou – uma nova verdade teve de ser aceita em pouco tempo, como de fato acabou por ser. Mas a demanda por mais liberdade para as mulheres, tolerância com opções sexuais diversas, menos rigidez hierárquica no trabalho etc, etc, só podia ser concebida naquele período como uma possibilidade no longo prazo, isso quando se pensava nela. As gerações só mudam aos poucos, e é apenas o resultado dessa mudança no longo prazo que propicia o surgimento de um novo cenário, que vai se renovando aos centímetros. Aquele avô avesso ao novo, mas que aceita isso ou aquilo, o pai já mais tolerante, mas nem tanto, o neto com outra cabeça – na verdade, quando o neto virar avô ou mesmo depois disso é que tudo terá de fato mudado. Mas a arte não precisa de tanto tempo, porque apesar de fundamental, ela é fruto de nossa criação, vem depois do humano e não antes, por mais elevada que venha a ser. *(no programa ‘Pianíssimo’, de Gilberto Tinetti, Cultura FM)*