terça-feira, 30 de março de 2010

Gênios tb?

Que figura incrível foi o holandês Hans van Meegeren (1889 — 1947), o maior falsificador de Vermmer - personagem que daria um filme e tanto, se é que já não foi feito. Li com prazer a biografia do pintor, "Eu Fui Vermeer", do irlandês Frank Wynne. De vilão (chegou a ser preso por suspeita de colaborar com os alemães durante ocupação que seu país sofreu na Segunda Guerra), foi alçado a herói por ter conseguido provar que na verdade enganara autoridades alemãs, vendendo-lhes falsificações perfeitas, mas morreu do coração logo depois, sem ter tido tempo de aproveitar a notoriedade - mas já tinha acumulado fortuna. O maior feito de Meegeren foi ter forjado, nos anos 1930, um famoso quadro que se perdeu ou pode nem ter sido pintado por Vermmer, mas que foi dado por autêntico e festejado pela crítica especializada, ou seja, seria como se um músico do século 20 se aventurasse a compor uma cantata perdida de Bach, por exemplo, baseado apenas em textos sobre ela (sem partitura, claro), e essa falsa cantata fosse considerada autêntica e digna de ter sido criada pelo gênio alemão. Ou inventasse um fictício sétimo concerto de Brandenburgo, à altura da obra-prima original. Isso denotaria também genialidade do falsário, ainda que, evidente, lhe faltasse o carimbo da originalidade, por ter trabalhado a posteriori. Mas o assunto do fake é sem dúvida fascinante e também foi abordado com brilho por Orson Welles em “Verdades e Mentiras”, filmaço de 1974, sobre o qual quero falar em outro post.

Ficar

Logo que terminei de ler “A Arte de Viajar”, de Alain de Botton, há uns seis ou sete anos, fiquei contente e aliviado, porque, com exceção da alta juventude, quando qualquer pretexto era válido para viajar ("para qualquer lugar! qualquer lugar! desde que eu saia deste mundo!", Baudelaire citado por Button), para mim elas quase sempre precisam de um significado, de um pequeno motivo que seja - por mais subjetivo - para se justificarem. E, de certa forma, é o que fala Botton, com erudição e poesia – seu livrinho é uma pequena jóia. Mas, dito isso, hoje me deti num avião que já manobrava no céu, provavelmente para a rota da ponte aérea SP-Rio, que me fez ter uma enorme vontade de pegar um táxi para o aeroporto e pegar uma carona para qualquer lugar a não menos que umas 18, 20 horas de vôo. Passar uns 10 dias nesse destino incerto e voltar de navio, para ler com tranqüilidade os livros que já se acumularam. Mas como nos ensina Botton, essa atitude tenderia a cair no vazio, portanto, fiquemos por aqui e não percamos mais tempo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Pacaembu

O grande barato do futebol é que uma partida pode ficar no zero a zero. Esse receio está sempre no ar, principalmente quando estamos no estádio – no fundo preferimos que nosso time leve um gol e torcer pela reação, a sair com um placar em branco, isso ninguém confessa, mas arrisco que possa ser um desejo secreto de quase todo torcedor, a não ser os fanáticos, porque os chatos sempre fazem parte de qualquer paisagem. Por isso vibramos tanto quando e se sai o gol – pelo nosso time e por nós mesmos, já que acreditamos que isso seria possível e acabou sendo, mas podia simplesmente não acontecer. É interessante que um esporte comporte o conceito do zero, do nulo tão deliberadamente, acredito que seja um diferencial do futebol, entre vários outros, como a regra do impedimento, de uma simplicidade complexa (ou vice-versa). Paulo Francis dizia freudianamente que o esporte (ou especificamente o futebol, não me lembro agora) consegue ser tão atraente e popular porque nos traz de volta a sensação de que o tempo não está passando, como quando éramos crianças. Faz todo o sentido, porque enquanto a partida está em andamento, é como se nada mais interessasse ou até mesmo existisse. Ontem estive no Pacaembu e presenciei a vitória do meu time por 4 a 3 contra um tradicional rival (que adota o nome de nossa cidade, quanta indelicadeza!), com direito a gol contra deles nos acréscimos, o gol da nossa vitória. Como quase sempre acontece, fui ao estádio sozinho, porque gosto de trocar idéias com desconhecidos durante a peleja - são encontros que surgem com naturalidade e duram aquele momento, às vezes com intensidade surpreendente. O apito final foi daqueles happy ends que hoje raramente acontecem mesmo nos filmes de Hollywood - felicidade coletiva e apoteótica, por cinco ou seis minutos, e já é muito, não se pode exigir mais. Choveu quase o tempo todo, e a sensação de um teatro a céu aberto é sempre reconfortante e inesquecível – só não vale zero a zero.

domingo, 28 de março de 2010

Ética

Toda quinta-feira à noite, a TV Cultura exibe o programa “Ética”, apresentado, claro, por Renato Janine Ribeiro, titular de Ética e Filosofia Política na USP, e intelectual que privatizou o assunto no Brasil, ao menos na grande imprensa. O programa é de um personalismo que chega a ser engraçado – closes do professor de vários ângulos vão se acumulando, e dá-lhe ‘flagrantes’ em primeiro plano de Janine andando pelo centro de São Paulo, no meio da multidão, de costas, de frente, de lado, a caminho de mais uma entrevista com pessoas selecionadas a dedo para ilustrar fatos que já tinham sido escolhidos de antemão. O programa parece ter como proposta seguir o velho contraponto de viés marxista, de antagonizar as classes sociais - até aí nada de errado, a priori, o que incomoda é o tom e o formato do discurso, meio gastos, de tentar ser um tipo de voz dos oprimidos contra o sistema. Parece que a idéia seria tirar o professor de ética da calmaria das salas de aula e levá-lo a tomar contato com questões éticas dos cidadãos no dia a dia, mas o que aparece na tela é um chororô que não faz justiça aos desafios que as pessoas têm de enfrentar para sobreviver. No final, soa como se fosse uma radiografia do Brasil de 1978, por exemplo. Um dos episódios que vi tratava da liberdade no ambiente de trabalho, um assunto que renderia um tratado, mas que no programa é conduzido de forma a criticar a autoridade, a rigidez e toda uma série de normas chatinhas que fazem parte da rotina de qualquer escritório, quando não é o caso de trabalharmos no Google, ou noutro lugar mais descolado no Vale do Silício. O tom, como dificilmente seria diferente, é de crítica, mas não decola, porque as queixas dos entrevistados parecem ter sido sopradas antes da gravação (e quase restritas a enfadonhas questões trabalhistas, e não de cunho individual, que resultaria em algo mais interessante, autêntico), e as pontuações de Janine sobre ética não dão liga, ficam deslocados e acentuam o fake de cada conversa. Teria sido mais interessante um depoimento do próprio Janine sobre o ambiente de trabalho de sua época como diretor de avaliação do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

sábado, 27 de março de 2010

Cuidado

A linda canção Tonight, que faz parte do disco Lust for Life, lançado por Iggy Pop 1977, é uma parceria de Iggy com o amigo e admirador David Bowie. Quem não conhece a história do artista americano pode cair no erro de achar que o jeito de cantar de Iggy na música seria uma homenagem ao de Bowie. Mas não é o caso, já que quem inventou esse estilo foi justamente Iggy Pop, grande e original artista do rock, algo não muito frequente.
http://www.youtube.com/watch?v=i--aKHwPPJI

quinta-feira, 25 de março de 2010

La mala educación

O ex-diretor da Radiobrás, Eugênio Bucci, em artigo no Estadão de hoje ("A imprensa não vai tão bem assim"), se mostra muito preocupado com um tipo de jornalismo que, para ele, faria o papel de ‘tribuna acusatória’. Baseado em pesquisa recente sobre a imprensa brasileira, Bucci introduz a conhecida ladainha, de viés totalitário, de que não caberia à imprensa fazer denúncias, coisa muito feia, que deve se restringir ao Ministério Público - fiscalizar até que tudo bem, mas denunciar, não mesmo. Não suporto o tom do seu texto, pseudo-suave, com aquele verniz de censor ‘boa gente’, que só fala para o nosso bem, mas avisa que pode puxar (ou autorizar que puxem) nossas orelhas, se achar necessário. Uma afirmação dele à época do mensalão diz muito sobre sua mentalidade: logo que deixou de ser o manda-chuva da Radiobrás, aquela da 'Voz do Brasil' e 'Café com o Presidente', entre outras pérolas do jornalismo oficial, e não sem antes se gabar de que havia "profissionalizado" o lugar, teve a pachorra de dizer que a agência teria realizado uma cobertura das mais isentas e contundentes da imprensa brasileira sobre o caso!, - foi a piada do ano, já que ele nunca apurou nenhum fato novo e, claro, deixou sempre de lado as maiores complicações para o governo Lula. E até aí tudo bem, porque é óbvio que uma agência estatal não tem independência suficiente para levantar a voz contra o governo, seu patrão. O que espanta é a hipocrisia do discurso de Bucci, além da vaidade de se supor diferente dos chefões anteriores da Radiobrás, querendo se diferenciar por uma suposta isenção inédita, mas só fictícia. Pelo artigo, ficamos sabendo que Bucci prefere um jornalismo apartidário, mas que na verdade trai sua preferência pelo isentismo chocho, manipulável - a pretexto de ler a pesquisa como um puxão de orelha dos leitores aos jornais, insatisfeitos que estariam com uma suposta "polarização" excessiva, ele prega moderação aos editores, dando a entender que, hoje, a opinião geral seria de que a imprensa brasileira não passaria de um mero "aparelho sob controle da oposição". É inacreditável. Em que país ele vive?? Tem internet? - o apoio da "mídia" ao governo Lula, por exemplo, chega a ser constrangedor, e não o contrário... Com exceção de SP, Rio e mais algumas poucas exceções, esse adesismo é recorrente no Brasil, em todas as esferas de governo. Na verdade, a imprensa, além de fiscalizar o governo, tem o papel de defender os valores democráticos, sem medo de bater pesado em grupos ou pessoas, influentes ou não, que tentam colocá-los em cheque. Quanto à possibilidade de se equivocar, se isso acontecer, perderá o que lhe é mais caro, a credibilidade, e, eventualmente, pode responder na Justiça por denúncias que se mostram infundadas - faz parte da rotina em estados democráticos. Bucci sempre se omitiu quanto a isso, e o faz novamente neste texto – ele parece nos prestar um favor ao não defender, por exemplo, a postura editorial de um Granma cubano, afinal ele não é um radical, claro que não, apenas um “crítico” do modelo de negócios vigente no meios de comunicação, principalmente nos países verdadeiramente livres. Nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, os grandes jornais não escondem inclusive as suas preferências ideológicas (New York Times democrata, Wall Street Journal republicano, idem as TVs etc.), sem que isso altere minimamente sua crença na defesa intransigente dos valores democráticos, alicerce maior da sociedade americana. Na Inglaterra, outro país de ponta na garantia do direito de expressão, a grande imprensa tampouco esconde suas inclinações políticas (The Guardian à esquerda, Times e Financial Times à direita etc.), e os tablóides, por sua vez, devassam a vida das celebridades e dos políticos importantes, e ai de quem for flagrado por eles cometendo ilegalidades ou crimes - mas quando vacilam, tomam processos milionários. Claro que Bucci não concorda com nada disso (posso apostar que, no caso dos tablóides, deve achar que eles são apenas a expressão da hipocrisia nas sociedades puritanas!), ele prega um tipo de isenção chapa-branca que está autorizada apenas a sugerir os fatos ao MP, nada muito além disso, - Collor não teria caído com uma imprensa tão comportada, apolítica. Sorte que esse raciocínio torto cai imediatamente no vazio ao evocarmos o célebre caso Dreyfus, no fim do século 19 – Émile Zola enfrentou o poder constituído com fatos, coragem e talento. Jamais o faria com adesismo travestido de civilidade.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Não dá

O prelúdio coral em Fá menor, de Bach (BWV 639), que consta de Solaris (1972) - Tarkovski foi um fervoroso admirador do gênio alemão - é daquelas peças que justificaria por si só a fama eterna de qualquer compositor, por mais obscuro. Vale a bela máxima de Carlos Drummond sobre Pelé, sobre quem escreveu, a propósito de seu milésimo gol, que o difícil não seria fazer mil gols como ele, mas um gol como ele. Bach escreveu mais de 400 horas de música (o equivalente, no mínimo, a uns 600 CDs no formato canção), boa parte de suma importância para seu meio de expressão. Bem, aí Pelé já ficou em algum lugar muito distante e modesto na história da humanidade, com todo o respeito que lhe é devido.

Daime

Sobre o caso do consumo do daime, não se questiona que no Brasil seu uso é legal, por motivos religiosos e/ou terapêuticos. Até aí, ok. Mas por que não obrigar a todos – não só os consumidores que fazem parte de seitas, mas também os pacientes que buscam no daime a cura de algumas doenças – um exame clínico que constate a boa saúde psíquica dessas pessoas, antes da ingestão do chá? Para citar um exemplo banal, a partir dos 35 anos, quem resolve se inscrever num academia de ginástica, é obrigado, antes de mais nada, a fazer um caro exame de avaliação cardiovascular, para atestar que está apto a fazer os exercícios – ou seja, tem de provar que dificilmente vai cair duro na academia. Então qual seria o problema de, antes de se autorizar o uso da droga, exigir exames para qualquer um que pretenda experimentá-la, seja pelo motivo que for? Acontece que a legislação brasileira não exige isso, e a aprovação do uso, ao menos na seitas, fica a critério dos tais ‘líderes religiosos’, como explica o editorial da Folha de S. Paulo de hoje, que saiu em defesa do daime como se este e as próprias seitas que o utilizam estivessem sob ataque, uma postura estranha - mesmo considerando que o jornal perdeu de forma brutal e absurda uma de suas estrelas, não se justifica qualquer tipo de corporativismo, até porque Glauco não precisaria desse expediente. O fato é que, como esses religiosos não são ou não precisam ser médicos, acho que tudo passa a girar em falso. Segundo a última edição da revista Veja, o pai do assassino de Glauco chegou a procurar o cartunista, advertindo que o filho tinha problemas, mas foi ignorado. Não se trata, absolutamente, de tentar incutir culpa na própria vítima da tragédia, mas se o exame médico fosse obrigatório e sério, será que o rapaz conseguiria ser aprovado para passar a consumir o daime? Não acredito que esse raciocínio possa ser associado, em absoluto, com algum tipo de preconceito religioso. E calar-se para não correr esse risco (absurdo) soa péssimo, e seria evocar os piores tempos em que as patrulhas delegavam para si o que podia e o que não podia ser debatido - felizmente a internet está inviabilizando esse viés totalitário da visão única.

terça-feira, 23 de março de 2010

Krzysztof Penderecki

Um dos grandes compositores vivos é Penderecki. Ele costuma ser associado a outro grande polonês, Andrzej Wajda, por ter escrito e continuar a escrever trilhas maravilhosas para muitos de seus filmes (compôs também para David Lynch), mas é claro que sua obra é bem mais que música para cinema. Sugiro 'Um Réquiem Polonês', que ouvi pelo rádio há um bom tempo, mas tem em CD (importado) e 'Paixão Segundo São Lucas', de que só escutei trechos, mas que muito me impressionaram. Penderecki é um compositor contemporâneo que passa bem longe da chatice. Além disso, não faz questão de jogar no lixo o legado da música tonal. É aquela velha história, se for para ser vanguarda, ao menos seja genial que não tem erro... Isso é para poucos, mas o polonês logrou êxito na empreitada. Já Pierre Boulez... Fica para um próximo post.

domingo, 21 de março de 2010

21 de março

A "mídia" brasileira, não nos deixou esquecer que este dia 21 de março seria uma data especial pelos 50 anos que Senna completaria caso estivesse vivo, e ainda os 30 de Ronaldo Gaúcho. Mas 21 de março também foi o dia em que o maior músico da humanidade nasceu - Johann Sebastian Bach, claro. Está comemorando 325 anos. Um menino.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Roth

O Prêmio Nobel de Literatura está, com razão, entre os menos prestigiosos que a Academia Sueca concede ano a ano. Talvez o problema tenha a ver com essa periodicidade anual: de tempos em tempos surge uma geração de grandes escritores, mas às vezes a escassez é quase total, então fazem média com este ou aquele país, premiando mediocridades. Na falta de um escritor que fizesse por merecê-lo, seria o caso de não se premiar ninguém, mas infelizmente a escolha é obrigatória. Penso inclusive que o Nobel sofre de um problema de identidade desde sempre: é pouco para gênios como Einstein, vencedor em 1921, e muito para certos talentos de alcance mais limitado, que afinal são maioria, principalmente na área de humanidades. No caso do Nobel de literatura, pensando apenas nos últimos dez anos, assistimos a premiações boas (Coetzee) e bisonhas (Doris Lessing), e algumas omissões estranhas, mas considerando que não existe Nobel póstumo, o pior entre todos os esquecimentos tem sido o do grande escritor Philip Roth, que está para completar 77 anos, e em grande forma. Roth é o tipo de escritor que já poderia ter recebido o seu Nobel há uns bons 25, 30 anos, talvez mais. Possivelmente o fato de ser americano pode estar atrapalhando, o que, se for verdade, atestaria a politicagem barata pela qual o prêmio literário mais badalado do mundo foi se deixando contaminar. Mas premiá-lo seria uma forma de começar a colocar as coisas nos eixos, valorizando o talento acima de qualquer coisa. PS: o Nobel da Paz deveria ser concedido a cada década, e aí sim, valeria como uma importante homenagem a personalidades que tivessem de fato realizado avanços na área, sem espaço para os oportunistas de sempre. A forma como é conduzido só tem ajudado a torná-lo irrelevante.

terça-feira, 16 de março de 2010

150

Quando fui editar o post de baixo, o blogger informava que foi o de número 150 do blog, o qual está completando três meses precisamente hoje, já que foi criado em 16/12/2009. Média de 50 por mês, nada mal, e bem acima do que imaginava quando comecei. Mas hoje a vontade é de escrever mais e mais.

Número que diz muito

Ainda o caderno Sabático. Artigo de Lúcia Guimarães sobre o número de visitantes da Biblioteca de Nova York ao longo do ano passado. Logo que passei os olhos no título, achei que ele indicava o total de visitas ao site da biblioteca, de tão grande que era: nada menos que 40 milhões, número que representa mais de quatro vezes a população da cidade. Continuei a ler e constatei que aqueles milhões se referiam a visitas físicas mesmo, de pessoas de carne e osso. Inacreditável. Mesmo considerando que uma fração não desprezível visite o local quase todos os dias, ainda é uma quantidade assombrosa e maravilhosa de visitas únicas. Mesmo para quem não tem simpatia pela cultura norte-americana (não me incluo neste grupo, principalmente no que toca a sua cultura política e entendimento da democracia), é impossível discordar que as bibliotecas públicas - sejam as pequenas, médias, grandes ou gigantes - fazem parte do dia a dia dos estudantes, professores, leitores de todas as idades, enfim, de uma gama representativa da sociedade do país. No Brasil, de uma maneira geral, pela diferença do PIB e população, os números costumam ser 11 ou 12 vezes menores que os dos Estado Unidos para uma mesma atividade, mas neste caso, seria muito otimismo estimar que alguma biblioteca (Nacional do Rio, de São Paulo, por exemplo) tenha recebido mais de 3 milhões de visitas em 2009. Normal.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Não

Já há um bom tempo um amigo fez elogios à seção ‘esquina’, da revista piauí, sugerindo que eu podia gostar, principalmente quando é João Moreira Salles quem assina alguns dos textos. Valorizo sua opinião, mas resisti, porque na única vez que tentei ler a revista, logo que saiu, detestei, pelo tom escancaradamente freak e pretensioso. Além disso, achei o nome (grafado em minúsculo), uma afetação meio besta e esnobe, tirando onda com um Estado que por acaso conheço e acho interessante – no passado, quando Nelson Rodrigues tirou seu sarro do Piauí, foi com uma abordagem franca e muito engraçada, já esse título dissimulado seria o próprio anti-Nelson Rodrigues. Bom, hoje comprei um exemplar, li a tal seção - não havia artigos de Salles -, todo o resto, e tudo igual. Tô fora.

domingo, 14 de março de 2010

Irreversível

Entrevista de Humberto Eco no novo caderno Sabático, do Estadão, prevendo que o livro sempre existirá. Considerando que, segundo informação do jornal, o célebre pensador e romancista italiano possui quase 50 mil volumes – mais que os 45 mil de José Mindlin – acho compreensível essa postura, mas penso, no entanto, que ela não se sustenta depois de uma análise menos apaixonada. É como se, pelo fato de uma invenção ter sido tão boa a ponto de durar 500 anos, ela tivesse que durar outros 500, ou toda a eternidade, o que, no caso de Eco, só pode ser interpretado como uma idiossincrasia, uma boutade. O fato é que os livros ainda são imbatíveis, mas isso não significa que essa situação seja imutável. Como já abordei em outro post, existe uma urgência pelo aumento exponencial da velocidade de transmissão de dados na internet, além da capacidade de armazenamento e da bateria dos equipamentos. Precisamos multiplicá-las por 10 mil, 100 mil, um milhão, para que apenas comecemos a penetrar na era digital de fato. Dito isso, estamos evoluindo, e o kindle e vários formatos de livro digital já representam um passo nesta direção. Pequena, por isso as obras publicadas em papel ainda levam muita vantagem, é inegável. Mas alguém tem dúvida de que, num futuro próximo – ou nem tanto – quando o ato de ligar ou desligar um equipamento for instantâneo ou desnecessário, quando a velocidade de transmissão for elevada exponencialmente, com bateria ilimitada, qualidade de imagem e áudio beirando a perfeição etc., enfim, num cenário destes, por que considerar que o livro não se tornaria obsoleto e continuaria a levar vantagem? Para Eco, a internet representa um perigo porque contempla tudo e depende da seleção do internauta para separar o joio do trigo. Mas não foi sempre assim? Nós chegamos aos livros por orientação e curiosidade, o mundo digital, por sua vez, facilita o acesso de tudo, mas esse tudo inclui as melhores obras também. O fim do livro é uma questão de tempo, talvez de muito tempo - várias gerações - mas acho bobagem essa pregação toda contra a publicação eletrônica – certamente a leitura, o jeito de ler, sofrerá uma modificação, devido a interação com outras mídias, mas nada mudará, isso sim, o fato de que seres humanos continuarão a querer produzir textos por muito tempo ainda – não eternamente, diga-se. Não serão livros, mas isso não fará diferença para quem for contemporâneo desta nova realidade. O livro não é uma tesoura ou uma colher, como quer Eco - já foi mais do que isso, mas hoje, depois de mais de 500 anos, sua utilidade começa a sofrer concorrência, e nada de errado com isso.

Não é por aí

Incrível o argumento recorrente para tentar aliviar a postura antidemocrática de Lula, em sua recente visita a Cuba, coincidindo com a morte do dissidente que fazia greve de fome. Alegam que, como visitante, ele estaria impedido, por protocolo diplomático, de se manifestar contra o cerceamento das liberdades individuais existente na ilha. Citam a China, um estado igualmente totalitário, que também as transgride em seu território – incluindo o Tibete – sem que isso provoque a mesma reação etc. Esse argumento é absurdo por vários motivos. Um deles é que, mesmo que fosse verdadeiro - e não é - nada obrigava Lula a sair em defesa da repressão cubana, que persegue e mata cidadãos que ousam apenas discordar do rumo político do país. Mas o principal é o fato nada prosaico de que Cuba faz parte da América Latina, e o Brasil, cuja política externa é escancaradamente focada na liderança regional, não poderia abrir mão - baseado em sua própria Constituição - da defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos como valores universais. Esse é o ponto. O governo Lula deseja uma liderança sem que esses valores sejam inegociáveis, suas ações sugerem isso, infelizmente. Mas, voltando ao argumento 'China', além da dependência que nossas exportações têm da demanda chinesa, o fato é que este país se transformou numa superpotência econômica, e está longe de nossa zona de influência, por isso não seria razoável uma crítica contundente em uma eventual visita à China, porque soaria desproporcional e apenas ridículo - pragmática e cinicamente, podemos deixar este abacaxi para os Estados Unidos, como de fato deixamos. Mas o argumento só valeria se for para lavar as mãos para o que acontece em Cuba. Nada a ver.

sábado, 13 de março de 2010

Presença

Se o Rio não tivesse o morro Dois Irmãos, acho que seria um pouco menos obcecado pela cidade. Mas tem.

Confusão

Virou moda criticar fulano ou beltrano com o argumento de que este ou aquele se leva a sério. Acho estranho. Para fazer sentido, falta um advérbio. Uma coisa é se levar muito ou muuuuito a sério, o que tende a ser de fato ridículo, mesmo quando se trata de um grande em qualquer campo – ainda mais quando não é o caso... Mas outra é se levar a sério, ponto. É importante se levar a sério, muitas vezes crucial – quem não o faz pode simplesmente não sobreviver.

Horário de verão

Já faz três semanas que acabou, mas me deu vontade de falar do horário de verão. Não gosto. Acho uma imposição desagradável. Me irrita a obrigação de adiantar uma hora do meu relógio, porque não é uma mudança qualquer, ela afeta nosso relógio biológico. Além do mais, acho meio ridícula a mensagem sublimada de que com isso teríamos mais tempo para usufruir do verão - um tipo de compensação ao belo gesto cívico -, como se todos tivéssemos a obrigação de passear ou pedalar no fim da tarde, “aproveitando a estação”. Também não ajuda saber que a mudança é inútil – a economia é irrisória, e não se justifica num país com o potencial energético como o brasileiro. Mas podia ser pior - na Europa Ocidental o horário de verão dura uma eternidade, praticamente seis meses. Enfim, fico feliz quando o período acaba, e recebemos aquela hora de volta. PS: o verão já está no final, mas as temperaturas voltaram a ficar lá em cima em SP, com máximas em torno dos 32°C, e mínimas que não ficam abaixo de 22°C - precisamente agora, 18h08, faz 30°C. A novidade é uma umidade do ar preocupantemente baixa em boa parte do dia, inferior a 35%.

Neymar

Neymar deveria ser convocado para disputar a Copa do Mundo da África. Além do jeitão de supercraque, tem aquele entusiasmo que é difícil ver nos jogadores que atuam na Europa, mesmo os jovens, incluindo os brasileiros. Aliás, a Copa do Mundo nunca teve na Europa o mesmo apelo que tem no Brasil e Argentina, e nos últimos 15, 20 anos, com a globalização e a enxurrada de jogadores de toda a parte que passou a jogar lá, menos ainda - a prioridade dos torcedores é com seus seus clubes, a paixão pela seleção nacional é secundária, com a possível exceção da Espanha, que nunca conquistou um caneco e atualmente tem um time forte. Isso obviamente se reflete na postura dos jogadores que atuam no continente, e em relação aos brasileiros, mesmo tendo uma torcida fanática por sua seleção, não é diferente. Por isso, um craque como Neymar - mais um fenômeno à vista - seria tão importante: além de ainda não ter sido 'contaminado' com as eurochatices, está em grande fase, entrosado com Robinho e em franca evolução - mesmo que estacionasse no nível em que se encontra hoje, já seria um fora de série, mas é tentador especular que sua evolução pode não ter limites claros, talvez o de um Pelé - não acho isso impossível, pelo pouco que o vi jogar. Aliás, existe o perigo de que esta possibilidade não se concretize, com a provável transferência do jogador para algum grande clube europeu: os craques que viajam, principalmente os muito jovens, não costumam suportar as novas e chatas obrigações táticas defensivas que passam a ter nos novos times, o que prejudica seu desempenho. Foi assim com tantos, mas me vem à cabeça um caso recente, o de Breno, ex-São Paulo, que aos 18 anos pintava como um extraordinário líbero, mas logo foi negociado com o Bayern de Munique, e hoje, aos 20, não atua e pode ter se transformado num jogador comum, o que seria uma lástima. Penso que os seis ou sete superclubes europeus prestam um desserviço ao futebol, ao fazer questão de ter 15 ou 16 craques no elenco, pois é inevitável que muitos irão sobrar e ficar na reserva, milionários mas desmotivados. E é triste presenciar o declínio de grandes jogadores que, ainda jovens - se acomodam e praticamente se aposentam justamente no momento em que poderiam chegar ao ápice de suas carreiras. Espero que com Neymar não seja assim. Aliás, como me disse um santista ilustre, devemos investir na utopia e imaginar o jovem craque santista jogando no Brasil por muitos e muitos anos ainda. Pena que nem meu filhinho de três anos conseguiria acreditar nisso por mais de cinco minutos...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Na mosca

Excelente editorial na Folha de S. Paulo de hoje, "Passou do limite", a respeito das declarações recentes de Lula, nas quais ele equipara presos políticos (dissidentes cubanos) a presos comuns (no Brasil). Muito bem escrito e sem meias palavras, seleciono um trecho especialmente inspirado: "Lula, este personagem satisfeito com as suas próprias precariedades (...)." Bom, e com estilo.

Para esclarecer

Mesmo com um dia atribulado, vou gastar 15 minutos aqui para comentar o que acho do tal critério de desempate favorecendo o gol marcado fora de casa. Acho que se trata de uma idéia que posa de esperta, mas que na prática é injusta e contraproducente, já que estimula a mediocridade em detrimento do talento. Infelizmente a adotamos no Brasil, no que parece um caminho sem volta. Anteontem, um exemplo clássico. Segundo jogo das oitavas de final da Champions League. Jogando em seu estádio, a grande Fiorentina, de passado glorioso e presente modesto, consegue bater o milionário Bayern de Munique, dos craques Ribéry e Roben, por 3X2, mas está eliminada da competição, porque perdeu o primeiro jogo por 1X2, na Alemanha. Quer dizer, com o mesmo saldo de gols, prevaleceram os dois gols que o time alemão conseguiu fazer fora de casa, um a mais que a Fiorentina, no mesmo critério. Mas eu pergunto: o que é mais difícil e bacana em uma partida de futebol, seja ela decisiva ou não? Fazer dois gols fora de casa, perdendo, ou três, vencendo?? Claro que é vencendo e fazendo mais gols! Num mata-mata, deveria-se premiar (respeitando o saldo) o time que faz mais gols numa mesma partida. Por isso considero esse critério de gols fora um equívoco - a pretexto de incentivar os times a jogar no ataque, fora de casa, provoca uma confusão que só piora as coisas, já que, com pânico de levar gols, os times que jogam em seus estádios ficam com medo de atacar, e os visitantes, por sua vez, continuam atrás. Na verdade, quando se trata de equipes tecnicamente equivalentes, passa a ser vantagem jogar o segundo confronto fora, bastando não levar gols em casa - mesmo um 0 a 0 serve. Aí, no segundo jogo, joga-se para um empate com gols, na retranca, explorando o famoso “erro do adversário”, à la Juventus (da Mooca!). Ao mesmo tempo, se acontece uma vitória do mandante por 1X0 ou 2X0, a sorte fica praticamente selada a favor de quem venceu e não tomou gols. Quem inventou esse critério certamente nunca estudou economia, porque mesmo esse campo do conhecimento, que parece tão exato, na verdade comporta as subjetividades inerentes ao ser humano, subjetividades estas que nem sempre - ou quase nunca - são movidas pela racionalidade. Alguns prêmios Nobel, cujos nomes me fogem agora para citar, se dedicaram exatamente ao estudo destas irracionalidades e seus efeitos na economia moderna. Não é a toa que nos tempos de Pelé sequer havia o critério de saldo de gols nas decisões, e mesmo hoje, tanto a Champions League quanto a Libertadores ignoram o gol fora na decisão do campeão (por ser um jogo apenas, lá, e só saldo de gols, aqui). Para encerrar, vou me repetir. Acho que se um time perde a primeira partida fora por 1X4, por exemplo, mas vence em seus domínios por 5X2, deve ser premiado com a classificação ou título, e não o contrário. Não por acaso, foram esses os placares de Santos X Fluminense nas semifinais do Brasileirão de 1995 - a exibição magistral de Giovanni na segunda partida - a do 5 a 2, no Pacaembu - foi premiada com a classificação do time da Vila. O talento agradece até hoje.

terça-feira, 9 de março de 2010

Avis rara

Se houvesse um prêmio na televisão brasileira para a autêntica diversidade, a apresentadora Leda Nagle, que comanda o 'Sem Censura', faria jus a um. O programa, pelo menos no tempo da TVE do Rio, era diário e transmitido ao vivo, e tratava de praticamente qualquer assunto, mas sem pompa ou pretensão. Os convidados ficavam sentados em cadeiras simples (sem descanso para os braços), numa disposição que lembrava uma reunião de condomínio. Espero que não tenha sofrido modificações (hoje passa na TV Brasil, mas ainda não vi), porque esse despojamento funcionava - a gama de convidados em cada programa era imensa e até que bastante representativa, ao menos do Rio de Janeiro, com artistas de várias categorias, socialites, jornalistas, ex-jornalistas, médicos, barbeiros, professores de dança, veterinários, colecionadores, cabeleireiros, políticos etc, etc. Todos tinham voz - mas valia gritar um pouquinho para conseguir espaço. Assistir ao Sem Censura era acompanhar desde asneiras colossais, abobrinhas inofensivas, a colocações interessantes e até profundas, às vezes tudo isso dentro de um mesmo programa. No final, mesmo num dia de só com bobagens, era diversão quase garantida. A voz de Leda, cada vez mais rouca, whiskey, soa melhor que 90% das repórteres e apresentadoras com aquela típica impostação forçada e obtida em cursos. Ela tem personalidade até para se mostrar mal humorada e cansada em pleno ar, é uma figuraça, mas sempre esbanjando competência na condução do seu programa.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscar furado

Achei que daria para ver a entrega do Oscar pela Globo, mas só consegui saber quem vai para o próximo paredão no Big Brother. As horas iam correndo e nada do Oscar - o programa do Bial não acabava. Nos intervalos, uma sorridente Maria Beltrão - realmente simpática - ia nos dando as pílulas, que na verdade eram os prêmios importantes que íamos perdendo: melhor ator coadjuvante, melhor animação, direção de arte, efeitos especias, entre outros. Mesmo assim, a apresentadora nos garantia que a festa estava "apenas começando" (!) - teve que falar isso umas duas ou três vezes, não deve ter sido fácil para ela, que é uma jornalista séria e profissional. Quando a transmissão começou para valer, perto da meia noite e meia, eu já estava quase dormindo e desisti. O comentário do grande ator José Wilker, pouco antes, dizendo que as roupas do filme tal - vencedor na categoria figurino - eram "realmente bonitas", contribuiu para a decisão.

Democracia

Uma matéria sobre Ongs no caderno Link (Estadão). Parece que a função primeira destas organizações seria a de 'repensar a democracia no Brasil'. Acho estranho. O Brasil precisa de defensores da democracia - ela já tem sido repensada o suficiente e com as consequências conhecidas em países como Bolívia e Venezuela.

O implacável

O cineasta e importante montador do cinema brasileiro, Eduardo Escorel, na Folha de umas semanas atrás, descendo a lenha no Jornal Nacional e novelas. Me incomoda o tom "cineasta analisa a TV", com a arrogância de quem julga não como telespectador/cidadão, mas como um ente superior - fazendo a linha 'artista/especialista com apuradíssimo senso estético e ético'. Para ele, não há distinção clara entre intervalos comerciais, novela e telejornal na Globo. Seria uma acusação gravíssima caso fosse minimamente verdadeira, mas evidente que não é o caso, é só uma frase solta (mirando talvez os merchandising), que Escorel nem tenta justificar e desenvolver. Quer dizer que os blocos de notícia produzidos pelo JN são passíveis de serem confundidos com os breaks comerciais?? Onde?! Por quem??! Engraçado que esse tipo de observação coloca o público lá em baixo: é como se a audiência, manipulada que é, fosse formada por débeis mentais incapazes de distinguir o que é merchan e o que não é, o que é notícia e o que não é etc, etc. Ele também é de opinião que o comentário e a contextualização da notícia deixam muito a desejar na emissora carioca - seriam reduzidos ao mínimo. Me dá medo adivinhar qual seria a contextualização ideal desejada pelo cineasta. Nem o figurino dos repórteres escapa - "muito formais". Até o microfone com o logotipo da emissora o incomoda. A tentação óbvia é pedir que ele tenha o mesmo rigor com a sua obra cinematográfica como diretor, mas nem acho que seja esse o ponto. Fico pensando se alguns dos grandes diretores da atualidade como Woody Allen e Scorsese se dariam a esse trabalho de quase censores da "mídia". Difícil, eles não têm tempo ou interesse.

Pois é

Hoje é Dia Internacional da Mulher. Acho uma tremenda baboseira hipócrita. Se a mulher não recebe o mesmo salário que o homem para a mesma função, cria-se um dia especial para ela, com flores e presentinhos - um segundo dia da mamãe, mais genérico. No Brasil, o muito que se conquistou se deve basicamente ao exercício diário do estado de direito, a partir da promulgação da Constituição de 1988, aliás, antes disso, com as eleições para governador em 1982 e o fim da ditadura militar, em 1985 - claro que os avanços já faziam parte de um processo irreversível, sendo a promulgação da lei que instituiu o divórcio, em 1977, um exemplo. Nos países islâmicos, a violência a que as mulheres ainda hoje estão submetidas no cotidiano é basicamente tolerada no mundo democrático, em nome da diversidade cultural - a ONU é cega, surda e muda quanto a esta questão crucial de direitos humanos. Disgusting.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Brasileiros de gênio precoce

Raul Pompéia tinha 25 anos quando terminou O Ateneu, um dos grandes romances da língua portuguesa. Alvares da Azevedo já tinha uma obra considerável quando morreu aos 21 incompletos. Idem Castro Alves com 24. E olha que não eram modernistas.

Geneton

O programa de entrevistas de Geneton de Moraes Neto na Globonews é uma das melhores coisas da TV brasileira. Pena que eu raramente consiga ver. Mas recentemente assisti ao bate-papo de Geneton com o poeta alagoano Ledo Ivo. Sensacional. Perguntas inteligentes, respostas lúcidas e bem humoradas, uma delícia. Ledo Ivo, 86 anos, é um grande poeta, mas igualmente um conversador maravilhoso, e gostei de constatar que concordamos em muita coisa sobre poesia e literatura brasileira (assim com eu, Ivo detesta a primeira geração de modernistas! O que diferimos é na pessoa desta antipatia – ele considera Oswald um babaca, já eu acho babaca Mario de Andrade). Geneton, com seu acentuado sotaque pernambucano, escreve bem e é um habilíssimo entrevistador - é inteligente, bem informado, culto e não abre mão de fazer perguntas polêmicas, para apimentar a conversa. Mas sempre com classe, fazendo a abordagem certa, exata. Ao longo do tempo, formou uma coleção de grandes entrevistas na TV (e em livros e jornais). Andei fuçando e descobri que seu blog no site G1 tem boa parte das entrevistas transcritas na íntegra – descobri também que ele já tinha uma página anteriormente, em que fazia a mesma coisa, portanto é possível ler entrevistas dos últimos 16 anos entre opções como Paulo Francis, Tom Jobim, Roberto Carlos, Gabeira, Chico Buarque, Milvina Dean (última sobrevivente do Titanic) etc. Os links são os seguintes: http://colunas.g1.com.br/geneton/ e http://www.geneton.com.br/. Abaixo, alguns poemas de Ledo Ivo e uma brincadeira do grande João Cabral de Melo Neto com o amigo/colega alagoano.

Ledo Ivo jovem, por João Cabral - falso epitáfio

“Aqui repousa/ Livre de todas as palavras/ Ledo Ivo/ Poeta/ Na paz reencontrada de antes de falar/ E em silêncio, o silêncio de quando as hélices param no ar “.

Ledo Ivo - Asilo Santa Leopoldina

"Todos os dias volto a Maceió. Chego nos navios desaparecidos, nos trens sedentos, nos aviões cegos/ Que só aterrizam ao anoitecer. Nos coretos das praças brancas passeiam caranguejos. Entre as pedras das ruas escorrem rios de açúcar. Fluindo docemente dos sacos armazenados nos trapiches e clareiam o sangue velho dos assassinados. Assim que desembarco tomo o caminho do hospício. Na cidade em que meus ancestrais repousam em cemitérios marinhos. só os loucos de minha infância continuam vivos e à minha espera. Todos me reconhecem e me saúdam com grunhidos e gestos obscenos ou espalhafatosos. Perto, no quartel, a corneta que chia Separa o pôr-do-sol da noite estrelada. Os loucos langorosos dançam e cantam entre as grades. Aleluia! Aleluia! Além da piedade. a ordem do mundo fulge como uma espada. E o vento do mar oceano enche os meus olhos de lágrimas".

Ledo Ivo - O Desconforto

"O dia está cheio de palavras. Elas escorrem como a água das sarjetas ou a saliva da boca dos demagogos. Espalham-se no chão como as folhas de um outono excessivo. Transbordam das lixeiras junto com as latas de Coca-Cola e restos de comida. São piolhos que avançam na selva da tarde. Ninguém pode viver sem as palavras. Isto explica o desconforto dos passageiros do metrô. Condenados a um silêncio temporário eles se entreolham suspeitosamente na plataforma da estação e estremecem quando as portas do trem se fecham. Embalados pêlos solavancos de uma viagem sem paisagem ouvem os vagões rangerem nos trilhos taciturnos na escuridão que sustenta o clamor da cidade. É o que sobra do rumor do mundo. Mas eles querem o instante em que, devolvidos ao dia loquaz, voltarão a falar".

Ledo Ivo - A Queimada

“Queime tudo o que puder: as cartas de amor, as contas telefônicas, o rol de roupas sujas, as escrituras e certidões, as inconfidências dos confrades ressentidos, a confissão interrompida, o poema erótico que ratifica a impotência, e anuncia a arteriosclerose, os recortes antigos e as fotografias amareladas. Não deixe aos herdeiros esfaimados nenhuma herança de papel. Seja como os lobos: more num covil, e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados. Viva e morra fechado como um caracol. Diga sempre não à escória eletrônica. Destrua os poemas inacabados,os rascunhos, as variantes e os fragmentos, que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas. Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha. Não confie a ninguém o seu segredo. A verdade não pode ser dita”.

Accent

Mal uma aspirante a modelo desembarca em São Paulo e já está reproduzindo a fala pós-patricinha abonada que se tornou dominante em parte da cidade, com vogais estendidas, pronúncia veloz e 'erres' pronunciados. Ex: "Ah saaaaabe, nem sei se eu queeeero ir". Para quem não conseguiu identificar, Gisele Bündchen fala escancaradamente dessa forma - quem não souber que ela é gaúcha do interior, não tem como adivinhar. É interessante. Esse sotaque - que se restringe ao sexo feminino jovem (os meninos têm preferido imitar o jeito de falar dos 'manos', bem fake por sinal) - é recente (entre outras falas novas), simplesmente não existia até o começo dos anos 1990. Coincide com a própria afirmação de São Paulo como cidade dominante e polo cultural do país, deixando de ser o eterno patinho feio e caipira em comparação com o Rio, cujo declínio se acentuou não por coincidência a partir dessa mesma época (mas que felizmente está sendo revertido pouco a pouco). Isso tem se refletido na televisão, já que de uns tempos pra cá, atores que falam com sotaque de São Paulo - qualquer um - continuam com ele, sem se deixar 'contaminar' pelo belo sotaque carioca - até bem pouco tempo isso não acontecia, é só lembrar Luana Piovani, paulista de São Bernardo do Campo que virou carioca da gema já na segunda fala de alguma novela ou minissérie. Angélica (Santo André) idem - Glória Menezes, Fernanda Montenegro e Tony Ramos são exceções. Mas o que me fez escrever este post é uma outra coisa. Nem todas as meninas que vem de fora se sentem à vontade para falar daquela forma. Noto que as que chegam para trabalhar em profissões mais humildes geralmente continuam a se expressar em seus sotaques de origem, Brasil a fora. E é evidente que não se trata de falta de habilidade para reproduzi-lo, ou ausência de contato com outras jovens que o praticam. Arrisco dizer que elas não cogitam falar 'patricinha' porque não se sentem no direito - por não possuir o status social que se exige para se comunicar naquele código. Mas, por linhas tortas - já que os motivos não se justificam - acho bom que assim seja, porque o sotaque patty me soa mal, não só pela sonoridade discutível, mas porque entrega uma postura deliberadamente fútil e meio ignorante.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Leonardo

Li algo que citava Leonardo da Vinci. O ecletismo de da Vinci é sempre reverenciado, mas acredito que se falamos dele ainda hoje – e por muitos séculos ainda falaremos – isto se deve a sua genialidade como artista. Foi um pintor e desenhista único numa época coalhada de gênios da arte. Pode ter sido o maior QI da humanidade, mas não desenvolveu uma teoria científica propriamente dita, até porque a metodologia científica teria de esperar por Copérnico, Galileu, Bacon e Descartes*. Mas foi um dos maiores artistas da humanidade, o que explica e justifica amplamente sua fama. * não duvido que, tivesse ele nascido a partir do século 17, teria antecipado Newton e até Einstein!, sem deixar de produzir grande arte.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Elia Suleiman - obra-prima

Que filmaço que é 'O Que Resta do Tempo'. O diretor Elia Suleiman (que eu não conhecia por ignorância, já que ele já tem uma carreira consolidada) usa um tipo de representação meio surrealista para retratar a história de sua família, a partir da ocupação israelense da Palestina, em 1948, até os dias de hoje. Há toques de no sense, mas o filme é rigoroso nas cenas cruas de violência, conseguindo retratar a guerra no âmbito individual, o que resulta num registro ainda mais brutal. Direção de arte e de atores mais do que perfeita. Os diálogos são elegantes mas as imagens falam por si o tempo todo, é cinema puro, na veia. Os enquadramentos à distância, nos mesmos cenários (que nos remete a Tatit não só pela mudez do personagem/diretor) é recorrente, e tem a ver com o título, porque é como se nada acontecesse na vida dos personagens, dada a impotência da situação - não há como combater o invasor, dadas as diferenças flagrantes de poderio. O filme é tão poderoso que parece materializar os sentimentos de opressão e perplexidade. Obra-prima. Tem muitas cenas e soluções antológicas (como a do salto em vara sobre o muro israelense), mas já no final, a dos fogos de artifício comemorando o Ano Novo, remetendo à uma desastrada globalização e ao barulho das bombas reais, é daquelas que não se esquece tão cedo. PS: quantos "bilhões" de dólares terão sido consumidos para a realização deste filme?... Referência à eterna desculpa da falta de recursos justificando a mediocridade do cinema brasileiro. Suleiman, e não só ele, mostra que a tese é pura cascata. Talento (e às vezes genialidade) é essencial.

terça-feira, 2 de março de 2010

Freire e Chopin

Belo artigo de Nelson Freire sobre Frederic Chopin no Estadão de domingo (caderno Cultura, pág. 14). Todos sabemos da genialidade do compositor polonês, um dos quatro ou cinco gigantes da música em todos os tempos, mas Freire nos passa uma admiração diferente, aquela que só os intérpretes - os grandes intérpretes - podem sentir. Apesar de ser reconhecido como um dos maiores pianistas do mundo em atividade do repertório romântico (senão o maior), Freire não joga isso na nossa cara - seu texto é ao mesmo tempo denso e leve, bastante informativo, mas acessível ao leigo. Não faz um apanhado geral da obra de Chopin - prelúdios, valsas, fantasias e improvisos etc - não haveria espaço (mas daria um belo livro), apenas nos conta algumas de suas impressões a respeito. Por exemplo, de sua emoção ao ouvir o segundo movimento do concerto nº2, as inovações sempre presentes, a musicalidade e a grandeza dos noturnos. Perto do final, ele cita uma frase de Horowitz, para quem "o mais difícil no piano é fazê-lo cantar", e que Chopin, segundo Freire, faz exatamente isso em sua obra enxuta e monumental. Com precisão cirúrgica, o pianista acrescenta que enxerga ecos das óperas do bel canto, de Donizetti e Bellini, na música do gênio polonês. Bingo! Depois de citar um sábio comentário de Lizt sobre Chopin ("o rubato em Chopin era como uma árvore - as folhas sacodem ao favor do vento, mas o tronco está ali, constante"), ele encerra o artigo agradecendo que tenha escolhido o piano, caso contrário, não teria Chopin tão próximo. Lindo.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Chato

O Jornal Nacional continua sendo, de longe, o melhor telejornal produzido no país, incluindo os canais de assinatura, isso para mim é inquestionável. O alto nível do texto, dos apresentadores, reportagens, pauta, a qualidade de grande parte dos repórteres, a abordagem precisa, enfim, não dá para comparar. Por isso foi chato constatar que os Jogos de Inverno de Montreal foram praticamente ignorados pelo programa, pelo prosaico motivo de que seus direitos de transmissão na TV aberta pertenciam à outra emissora que não a Globo, no caso, a Record. Quem não possui TV por assinatura e só tem tempo de ver o telejornal da noite (no meu caso o JN), mal notou que os Jogos estiveram a pleno vapor nas duas últimas semanas. Foi exatamente o que me aconteceu, porque não tenho canais pagos de esporte e simplesmente não consigo acompanhar telejornais mal feitos e/ou tendenciosos, e o da Record é um deles, entre tantos outros. Como a tevê do Bispo também possui os direitos de transmissão das Olimpíadas de Londres, em 2012, a coisa tende a se repetir, o que é lamentável.

Nota

No final da tarde de ontem, presenciei a cena. Uma criança de no máximo dois anos observava seus 'pais', visivelmente alterados, discutindo aos berros, quase aos tapas, sem saber bem o que fazer. Provavelmente estaria com frio, já que usava uma roupinha muito leve para aquela temperatura na casa dos 17, 18 graus. Não duvido que estivesse com fome. Acabou sobrando umas palmadinhas e gritos para ela - uma menina - nada que a machucasse, a questão é outra. Essa 'família' estava na rua - tinha se instalado na frente de uma loja, improvisando papelões que serviam de telhado e colchão. Me informei e descobri que eles costumam passar o fim de semana lá, para esmolar. O que me pergunto é como pode ser permitido que uma criança fique em tais condições. Viver na rua é só mais um absurdo, mas está longe de ser o principal, já que àquela menina falta tudo - comida, cuidados, afeto, respeito, higiene, carinho, roupas, educação, atenção etc, etc. O Estatuto da Criança e Adolescente está para completar 20 anos. Por sua abrangência e detalhismo, parece fadado, como tantas outras leis no país, a não ser levada ao pé da letra. Sou leigo no assunto, mas para mim trata-se de uma grande hipocrisia brasileira, mais uma, já que só protege o menor no papel, e às vezes nem no papel - por uma série de entraves legais, o estatuto não impede que crianças inocentes como a que vi sejam exploradas e mal tratadas daquela forma. Simplesmente não é proibido, a não ser que ela venha a ser surrada ou abusada. Então ficamos na situação em que uma menina de dois anos PODE passar a noite na rua se os responsáveis por ela assim decidir. Pode passar fome e frio, e o estado assiste a isso de braços cruzados. Em qualquer lugar civilizado bastaria chamar algum orgão competente (ou simplesmente a polícia) para que a criança fosse localizada e recolhida da rua imediatamente, e os pais ou tutores, processados. Em alguns estados dos Estados Unidos, como na Califórnia, maus tratos aos animais dá cadeia. Não aqui - animais e crianças ficam a ver navios. Mas um possível assassino de 17 anos não cumprirá pena, em nome de sua proteção. Posso ser chamado de simplificador e superficial, mas não aceito essa lógica.