domingo, 30 de janeiro de 2011

La Famiglia (1987)

Um dos grandes filmes do grande Ettore Scola. Uma reflexão poderosa e tocante sobre a passagem do tempo. Nunca foi lançado em DVD no Brasil, e os canais da TV paga também costumam ignorá-lo, o que é uma pena.

Revoluções

A Globo exibiu no Corujão Maria Antonieta, de Sofia Coppola. Belo filme, não tinha visto no cinema. A Revolução Francesa só aparece no finalzinho, e é inevitável pensar que ela foi a primeira de muitas que se arvoraram em "defensor do polvo”. Surgia ali um novo tipo de absolutismo – o bem intencionado, que se autojustificava sem nenhum limite. Ainda bem que a verdadeira revolução - a da democracia - já tinha começado nos Estados Unidos.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Calor

Ontem fazia 27 graus às onze da noite. Hoje está quase isso. O verão chegou forte em SP, para desespero da TV Record (e do Datena).

Menino prodígio

Passando Tubarão (1975), legendado. O filme não goza hoje de grande reputação, o que me parece injusto - as cenas de pânico na praia são puro Hitchcock, e da melhor safra. Na parte final, Hemingway para as massas. E claro, a cena do pescador sendo devorado pelo peixe é uma das mais impactantes do cinema, ever. Grande Spielberg.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

PIB per capta, pizza e shushi em São Paulo

Transformando os dados do Estadão de hoje, relativos ao PIB per capita da cidade de São Paulo (320 bilhões de reais, 11.244 milhões de habitantes) em dólares (a um câmbio de 1.7), chega-se a quase 17 mil dólares/ano (já o país está próximo de alcançar a marca histórica dos 10 mil dólares). Sem a carga tributária excessiva e as transferências desmedidas para a União, acho que SP já teria ultrapassado os US$ 30 mil.

E sim, pizzas e shushis continuam a mil: diariamente, 1 milhão de pizzas e 350 mil shushis são consumidos na cidade que hoje aniversaria.

Para efeito comparativo, confira abaixo o PIB per capita de alguns países em 2008, pré-crise (em milhares de dólares). Fonte: Banco Mundial.

Estados Unidos: 47.4
Bélgica: 47.3
Austrália: 46.8
França: 46.0
Canadá: 45.0
Alemanha: 44.7
Reino Unido: 43.7
Itália: 38.9
Japão: 38.4
Espanha: 35.1
Hong Kong: 30.7
Israel: 28.4
Distrito Federal: 27.0
Portugal: 23.0
República Tcheca: 20.7
Coréia do Sul: 19.1
Cidade de São Paulo: 16.7
Estado de São Paulo: 14.1 
Rússia: 11.8
Venezuela: 11.4
Turquia: 10.5
Chile: 10.1
Uruguai: 9.6
Brasil: 8.3
Argentina: 8.2
Bolívia: 1.6

PS: Luxemburgo e Noruega lideraravam o ranking entre todos os países, com inacreditáveis, respectivamente, 113 e 94.3. Logo em seguida, Catar (93.2), Suiça (68.4), Dinamarca (62.0), Irlanda (60.5 - e  pensar que era um país pobre menos de 20 anos atrás, incrível!) e Emirados Árabes Unidos (55.0).

PS2: Obviamente a China (já virtualmente a segunda economia mundial), devido a sua enorme população (1.3 bilhões), possui um PIB per capita baixo (menos de 4 mil dólares em 2008). Mas a conta para eles é outra: se conseguirem que meros 400 milhões de chineses consumam em padrões americanos, já será mais que suficiente para liderar o ranking, algo que deve acontecer nos próximos 10 ou 15 anos, se não houver nenhuma reviravolta econômica, claro - aliás, se houver (toc, toc na madeira), o Brasil tá frito!

PS3: o Brasil tem muito que evoluir.

E o ex-Leo fechou

Não sei por que deixei passar, já tem uns quatro, cinco meses, o fechamento do bar e restaurante do Leo, na Maria Carolina com Sampaio Vidal. Na verdade, havia quase dois anos não era mais do Leo (adorável figura), que, junto com o irmão, o tinha vendido, mas, apesar de ter passado por uma reforma bastante discutível, a casa manteve (não inteiramente, mas quase) as características que fizeram sua fama – bar agitado à noite, preços camaradas no almoço, muita simpatia no atendimento, cerveja sempre gelada e um peixe frito e rabada (quinzenal) bastante acima da média, além de um filé à parmegiana suculento e bem montado. Tinha também uma costelinha de porco honestíssima, às terças, entre outros pratos sempre bem servidos.

Nesta segunda fase, fiz amizade com o Djalma, jovem e competente gerente, exímio conhecedor de futebol internacional - gostava de passar lá para ver jogos da Champions League e me atualizar com ele das novas. Seu defeito é ser são-paulino!

Freqüentava o lugar desde 1998, como bar, mas só descobri que os almoços valiam a pena bem depois. Chato não ter podido me despedir do pessoal, fui pego de surpresa na última vez que fui para almoçar e encontrei tudo fechado - aliás, isso já tinha acontecido antes, mas achei que era por algum motivo excepcional e não dei muita bola (ato falho); na segunda vez perguntei a um vizinho, que me contou que o ex-Leo tinha sido comprado, e os novos donos fariam uma grande reforma (sempre ela!), para inaugurar a nova casa. A julgar pelos restaurantes do entorno, não tenho muita esperança que consiga ser tão interessante.  

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Reforma da Mário de Andrade

Parece que a biblioteca ficou maravilhosa, como em seus bons tempos. Meus pais, ainda universitários, começaram a namorar lá, no finalzinho dos anos 1950, época das "canalhas" literária e científica - grupos de estudos bem animados que batiam ponto na Mário de Andrade, de que faziam parte, além dos meus pais, Manoel Carlos, Carlos Henrique Escobar, Jairo Arco e Flecha, Zé Celso, Carlos Zara, Bento de Almeida Prado, José Gianotti, Cyro Del Nero, Enio Mainardi, entre muitos outros, assunto para outro post.

PS: minha mãe conseguiu no google uma longa entrevista com Mauro Rubens e Cyro Del Nero, de 2006, com histórias incríveis do período. Como está em PDF, coloquei o link da busca - depois de clicar, é a primeira pesquisa da página (em caixa alta), com o título Biblioteca Mário de Andrade Projeto Memória Oral.

http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&aq=10h&oq=&hl=pt-BR&ie=UTF-8&rlz=1T4GGLL_pt-BRBR375BR375&q=frequentadores+da+biblioteca+mario+de+andrade+na+d%c3%a9cada+de+50%2c+canalha+liter%c3%a1ria+e+cient%c3%adfica

sábado, 22 de janeiro de 2011

Documentário (canal National Geographic)

Impressionantes as imagens exibidas no programa Redescobrindo a Segunda Guerra, no episódio que trata da invasão da União Soviética pelos alemães, a partir de junho de 1941. No começo achei até que fossem encenações "vintage", picaretagem infelizmente comum e que assola  tantos docs de época, mas não era o caso - trata-se de imagens reais (em cores), feitas em película pelos próprios alemães (geralmente "soldados" da SS).

Que eles gravavam no front é sabido, mas o programa mostrou uma riqueza impressionante destes registros, ao longo de quase uma hora de programa: cenas de batalhas na Ucrânia e Rússia, rendições, execuções, colaborações de civis na perseguição e assassinatos de judeus, manobras dos soldados siberianos - trazidos do extremo leste para enfrentar os nazistas -, enfim, nada que lembrasse aqueles documentários com as mesmas imagens de sempre do conflito, como tantas vezes acontece com filmes sobre Pelé e Garrincha.

Tralhas Modernas

É um blog de música bem interessante, descobri há pouco. A propósito, faz tempo que quero escrever um post sobre Milton Nascimento, vou fazer isso.

http://tralhasmodernas.blogspot.com/

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

The Pocilga

Hoje comecei outro blog, uma experiência mais de levada twitter, mas sem os limites deste. Claro que a idéia é escrever textos bem mais curtos - às vezes só uma ou duas frases - que os de O Luzíada (que prossegue, sem mudanças), igualmente sem limitação de assunto.

Mas como nunca se sabe, posso precisar de um espaço maior que o do twitter, por isso um blog. Seu lema é: "Concisão sem pretensão". Segue link: http://thepocilga.blogspot.com/

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Confessionário

Que texto maravilhoso escreveu Armando Antenore sobre a grande Tomie Ohtake, na revista Bravo! deste mês. Brincando com o português precário da artista, mas sem nunca soar esnobe, o jornalista alterna passagens em que se faz passar por ela (na primeira pessoa) com descrições tradicionais em terceira pessoa, resumindo com maestria sua trajetória e pontos de vista. A revista também traz, ente outras boas reportagens -, um perfil de primeira classe da editora inglesa Liz Calder, idealizadora da Flip, assinada por ninguém menos que Thomaz Souto Correa (com reportagem de Cecília Brandi).

PS: a Bravo! reduziu em um terço seu preço em banca (de 14,90 para 10 reais), uma tacada inteligente, que parece ter influenciado positivamente na qualidade do seu conteúdo, visivelmente melhor que algumas edições que li no passado recente. Boa notícia.

http://armandoantenore.com.br/index.php/confessionario/tomie-ohtake

Iñarritu/Arriaga

Não suporto essa dupla - picaretas que se deram bem no cinema enganando trouxas influentes. Argh.

I can't stand it no more (1979)

Peter Frampton, beleza de música.

http://www.youtube.com/watch?v=pXBo-ynknsM

Afiador de facas

Há um afiador de facas que circula por Cerqueira César e Jardim Paulista. Talvez mais de um. Dá para ouvir bem, mesmo no 12º andar. Na verdade, não sei se seu trabalho é afiar facas, mas o interessante é que ele toca um instrumento musical semelhante a uma gaita* - não seria um realejo, já que não tem manivela, e suponho que a música não é predefinida, tem de ser tocada. Voltando ao (possível) afiador dos Jardins, suas frases musicais - sem ligação aparente, entremeadas de silêncio e às vezes bastante dissonantes - soam bem.

Caso a música não seja fruto de improviso (mais interessante que não seja), fico curioso se ela veio de outro afiador, ou se cada um compõe repertório próprio, mas com características (quais?) que sempre remetam ao ofício, que o identifique à primeira audição - razão primeira do instrumento nesse contexto. Só perguntando! Ou pesquisando.

* Conversei rapidamente com um afiador, no íncio de fevereiro. O instrumento é um tipo de gaita, sim, chamada por eles de Gaita do Ary; as melodias são transmitidas pelos veteranos aos que se iniciam na profissão. Há uma canção conhecida de Teixeirinha, "A Gaita Velha do Seu Ary", talvez o nome venha daí (com o perdão da rima!).

Dois artigos

Demétrio Magnoli começa 2011 tão inspirado quanto terminou 2010. Segue na íntegra (por meio do ótimo site Conteúdo Livre http://sergyovitro.blogspot.com/) dois artigos publicados no Estadão (às quintas-feiras alternadas), ambos brilhantes.

700 mortos e 8 passaportes  - 20/01/2011

Marco Aurélio Garcia qualificou como assunto "de uma irrelevância absoluta" a concessão de passaportes diplomáticos aos filhos e netos de Lula. Ele, certamente, considera relevante a tragédia que ceifou mais de 700 vidas e destruiu cidades inteiras na Região Serrana do Rio de Janeiro. Os dois eventos, cujos impactos sobre a vida nacional são incomparáveis, estão relacionados, ainda que indiretamente. Eles, além disso, têm igual relevância, pois procedem da mesma fonte: a delinquência atávica de uma elite política hostil ao interesse público.

A lei é cristalina ao listar os critérios que regulam a concessão de passaportes diplomáticos. O ex-ministro Celso Amorim violou a lei, a pedido de Lula, quando presenteou a prole estendida do ex-presidente com o privilégio reservado aos representantes do Estado. O gesto ilegal não é amenizado, mas agravado pelo recurso cínico à invocação do "interesse nacional". O que o Ministério Público precisa para acusar o ex-ministro e o ex-presidente de abuso de autoridade?

Certos grupos ambientalistas propensos à mistificação culpam as mudanças climáticas globais pela catástrofe no Rio de Janeiro. Mas as precipitações torrenciais e os deslizamentos em encostas de morros fazem parte da dinâmica climática e geomorfológica normal das serras do Sudeste brasileiro. A intensidade das chuvas não é explicação suficiente das causas de uma das maiores tragédias humanas da história do País. Uma urbanização descontrolada, com ocupação extensiva de encostas de morros e várzeas inundáveis, moldou o cenário do desastre. Os mortos, as famílias devastadas, os desabrigados são o produto de décadas de escolhas políticas baseadas numa racionalidade avessa ao interesse público e, muitas vezes, às próprias leis. O que o Congresso Nacional precisa para instalar uma CPI dedicada à investigação do enredo completo da tragédia anunciada?

O patrimonialismo "é a vida privada incrustada na vida pública", segundo a definição de Octavio Paz. Na sua trajetória rumo ao poder, o lulismo conectou-se com um anseio profundo da sociedade brasileira ao fazer a denúncia sistemática de uma elite política consagrada ao intercâmbio de privilégios oriundos do controle do aparelho de Estado. Lula tocou um nervo exposto com seus "300 picaretas do Congresso", tirada irresponsável que se converteu em canção popular e sintetizou a bandeira de mudança com a qual alcançaria o Planalto. De lá para cá, ele e seu partido traíram noite e dia o compromisso original. A emissão dos passaportes diplomáticos equivale a uma abjuração escrita: o presidente que sai transforma a corrupção em virtude, zombando da "lei das gentes".

Não há mais de 700 mortos no Rio de Janeiro porque Lula concedeu à sua descendência o privilégio ilegal, mas porque a elite política que hoje Lula personifica zomba da "lei das gentes". Cada uma das áreas de risco ocupadas na Região Serrana fluminense tem a sua história singular. Alguns bairros surgiram por incúria das autoridades públicas. Outros se estabeleceram sob o amparo de acordos espúrios entre loteadores e políticos em cargos de mando. Prefeitos e vereadores formaram clientelas eleitorais estimulando a ocupação de vertentes e várzeas, ou apenas condescendendo com a violação das normas. A catástrofe foi tecida com os fios de uma política que combina populismo, patrimonialismo e clientelismo. Na Austrália, inundações muito mais amplas deixaram um saldo de mortes que se conta na casa de poucas dezenas, não de várias centenas.

Lula e os seus não se limitaram a absorver os usos e costumes da elite política estabelecida, mas foram bem mais longe, produzindo uma espécie de elogio público do patrimonialismo. O ex-presidente proclamou a inimputabilidade de José Sarney (o "homem incomum"), mudou a lei para beneficiar a empresa financiadora do negócio de seu filho e, na hora da despedida, comportou-se como um potentado, oferecendo passaportes diplomáticos aos familiares com a desenvoltura de um pai que distribui ovos de Páscoa. Como exigir de autoridades estaduais e municipais o respeito à lei, a adesão à norma, quando a República se transfigura na fazenda dos Lula da Silva?

"Sempre tem a hora de fazer avaliação. Tem que se fazer uma autocrítica, por que se permitiu fazer tudo isso. Mas agora é resgatar corpos e ajudar famílias desabrigadas. Não vamos perder tempo nesse momento." O governador Sérgio Cabral não é mais responsável pela tragédia que seus predecessores ou que os prefeitos, vereadores e lideranças locais da Região Serrana do Rio de Janeiro. Contudo, ao fabricar uma acusação preventiva contra os críticos, ameaçando crismá-los como inimigos da ajuda às vítimas, revela-se mais inteligente - e muito mais nocivo ao interesse público. A sua operação de linguagem tem o objetivo de suspender o debate político enquanto perdurar a emergência humanitária. É a receita certa para proteger a elite política que parasita a sociedade.

Uma tristeza avassaladora começou a se espalhar pelo Brasil inteiro com as primeiras imagens da tragédia. A memória dos mais de 700 mortos merece um monumento que não seja feito de pedra nem se preste à demagogia das inaugurações políticas. O monumento só pode ser um programa plurianual ambicioso de reconstrução das cidades devastadas e remodelação estrutural dos padrões de ocupação do solo na Região Serrana fluminense e em inúmeras outras cidades e corredores urbanos do País. Os recursos para tanto existem, mas serão queimados na pira ardente das obras colossais da Copa do Mundo e da Olimpíada.

As chuvas de janeiro provocaram um trauma nacional duradouro. O verão não terminou. As águas da destruição ainda podem apagar o fogo do desperdício sem freios e das negociatas fabulosas promovidas em nome do orgulho nacional. É a única homenagem verdadeira que os vivos podem prestar aos mortos.

Herói sem nenhum caráter - 24/12/2011

Lula jamais protestou contra o monopólio da imprensa pelo governo cubano e nunca deu um passo à frente para pedir pelo direito à expressão dos dissidentes no Irã. Ele sempre ofereceu respaldo aos arautos da ideia de cerceamento da liberdade de imprensa no Brasil. Mas é incondicional quando se trata de Julian Assange: "Vamos protestar contra aqueles que censuraram o WikiLeaks. Vamos fazer manifestação, porque liberdade de imprensa não tem meia cara, liberdade de imprensa é total e absoluta."

Assange é um estranho herói. No Brasil, o chefe do WikiLeaks converteu-se em ícone da turba de militantes fanáticos do "controle social da mídia" e de blogueiros chapa-branca, que operam como porta-vozes informais de Franklin Martins, o ministro da Verdade Oficial. Até mesmo os governos de Cuba e da Venezuela ensaiaram incensá-lo, antes de emergirem mensagens que os constrangem. Por que os inimigos da imprensa independente adotaram Assange como um dos seus?

A resposta tem duas partes. A primeira: o WikiLeaks não é imprensa – e, num sentido crucial, representa o avesso do jornalismo.

O WikiLeaks publica – ou ameaça publicar, o que dá no mesmo – tudo que cai nas suas mãos. Assange pretende atingir aquilo que julga serem "poderes malignos". No caso de tais alvos, selecionados segundo critérios ideológicos pessoais, não reconhece nenhum direito à confidencialidade. Cinco grandes jornais (The Guardian, El País, The New York Times, Le Monde e Der Spiegel) emprestaram suas etiquetas e sua credibilidade à mais recente série de vazamentos. Nesse episódio, que é diferente dos documentos sobre a guerra no Afeganistão, os cinco veículos rompem um princípio venerável do jornalismo.

Agente original A imprensa não publica tudo o que obtém. O jornalismo reconhece o direito à confidencialidade no intercâmbio normal de análises que circulam nas agências de Estado, nas instituições públicas e nas empresas.

A ruptura do princípio constitui exceção, regulada pelo critério do interesse público. Os "Papéis do Pentágono" só foram expostos, em 1971, porque evidenciavam que o governo americano ludibriava sistematicamente a opinião pública, ao fornecer informações falsas sobre o envolvimento militar na Indochina. A mentira, a violação da legalidade, a corrupção não estão cobertas pelo direito à confidencialidade.

Interesse público é um conceito irredutível à noção vulgar de curiosidade pública. Na imensa massa dos vazamentos mais recentes, não há novidades verdadeiras. De fato, não existem notícias – exceto, claro, o escândalo que é o próprio vazamento. A leitura de uma mensagem na qual um diplomata descreve traços do caráter de um estadista pode satisfazer a nossa curiosidade, mas não atende ao critério do interesse público. O jornalismo reconhece na confidencialidade um direito democrático – isto é, um interesse público. O WikiLeaks confunde o interesse público com a vontade de Assange porque não se enxerga como participante do jogo democrático. É apenas natural que tenha conquistado tantos admiradores entre os detratores da democracia.

Há, porém, algo mais que uma afinidade ideológica, de resto precária. A segunda parte da resposta: os inimigos da liberdade de imprensa torcem pelo esmagamento do WikiLeaks por uma ofensiva ilegal de Washington.

No Irã, na China ou em Cuba, um Assange sortudo passaria o resto de seus dias num cárcere. Nos EUA, não há leis que permitam condená-lo. As leis americanas sobre espionagem aplicam-se, talvez, ao soldado Bradley Manning, um técnico de informática, suposto agente original dos vazamentos. Não se aplicam ao veículo que decidiu publicá-los. A democracia é assim: na sua fragilidade aparente encontra-se a fonte de sua força.

Sorriso furtivo O governo Obama estará traindo a democracia se sucumbir à tentação de perseguir Assange por meios ilegais. O WikiLeaks foi abandonado pelos parceiros que asseguravam suas operações na internet. Amazon, Visa, PayPal, Mastercard e American Express tomaram decisões empresariais legítimas ou cederam a pressões de Washington? A promotoria sueca solicita a extradição de Assange para responder a acusações de crimes sexuais. O sistema judiciário da Suécia age segundo as leis do país ou se rebaixa à condição de sucursal da vontade de Washington? Certo número de antiamericanos incorrigíveis asseguram que, nos dois casos, a segunda hipótese é verdadeira. Como de costume, eles não têm indícios materiais para sustentar a acusação. Se estiverem certos, um escândalo devastador, de largas implicações, deixará na sombra toda a coleção de insignificantes revelações do WikiLeaks.

A bandeira da liberdade nunca é desmoralizada pelos que a desprezam, mas apenas pelos que juraram respeitá-la. Assange não representa a liberdade de imprensa ou de expressão, mas unicamente uma heresia anárquica da pós-modernidade. Contudo, nenhuma democracia tem o direito de violar a lei para destruir tal heresia. A mesma ferramenta que hoje calaria uma figura sem princípios servirá, amanhã, para suprimir a liberdade de expor novos Guantánamos e Abu Ghraibs.

"Vamos fazer manifestação, porque liberdade de imprensa não tem meia cara, liberdade de imprensa é total e absoluta." Lula não teve essa ideia quando Hugo Chávez fechou a RCTV, nem quando os Castro negaram visto de viagem à blogueira Yoani Sánchez que lançaria seu livro no Brasil. Não a teve quando José Sarney usou suas conexões privilegiadas no Judiciário para intimidar Alcinéa Cavalcante, uma blogueira do Amapá, ou para obter uma ordem de censura contra O Estado de S. Paulo. Ele quase não disfarça o desejo de presenciar uma ofensiva ilegal dos EUA contra o WikiLeaks. Sob o seu ponto de vista, isso provaria que todos são iguais – e que os inimigos da liberdade de imprensa estão certos.

Alguém notou um sorriso furtivo, o tom de escárnio com que o presidente pronunciou as palavras "total e absoluta"?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Choque de realidade

O livro da dupla da pesada John Steinbeck (famoso escritor americano, hoje meio datado) e Robert Capa (célebre fotógrafo húngaro, ainda na crista da onda) sobre a União Soviética ("Diário Russo"), baseado em viagem pelo país realizada em 1947, tem um tom meio deslumbrado e bastante simpático* a ex-potência, o que era natural na época, já que a União Soviética tinha conseguido reverter a derrota inicial para os nazistas na Segunda Guerra, além de ter sido o país que mais perdeu** cidadãos em todo o conflito (inacreditáveis 26 milhões de um total de quase igualmente inacreditáveis 50 milhões de pessoas). Nenhum dos dois era comunista, mas a simpatia pelos russos era quase de lei - o que não teria produzido um Jorge Amado no período, tivesse ele tido a oportunidade da visita? Deus, nem quero imaginar o grau de propaganda...!

De qualquer forma, gostaria de ter visto a possível cara de tacho de ambos quando das denúncias de Kruschev, no início de 1956, pouco menos de três anos depois da morte do grande matador, digo, ditador Josef Stálin. Belo mico.

* Steinbeck, baseando-se no que teria "apurado", chega a descrever a capital da Geórgia, Tbilisi, onde Stálin passou a juventude, como quase um éden na Terra. Ridículo. E há várias passagens nessa linha, não dá!

** Ia escrever 'mais sacrificado', mas me lembrei da Polônia.

Sultans of Swing (1978) e Stones

Como tantas bandas britânicas (a maioria?), o Dire Straits faz (fez) um pastiche de gêneros musicais de raiz USA. Mas não há diluição neste pastiche; dá-se quase o oposto, o que resulta muitas vezes em música de primeira classe.

Essa metamorfose que os ingleses operam no pop é, para mim, um grande mistério, sem excluir os Beatles. A canção que dá título ao post é um bom exemplo - no caso, o pop se apropria do folk e country, criando algo meio insólito (sotaque britânico), mas poderoso. O solo de guitarra, puro rock 'n' roll, vem de brinde, perfeito.

Mas nem sempre funciona. Como já escrevi aqui, o "blues" dos Stones a mim nunca soou convincente, por mais bem tocado. Mas quando a banda faz pop, como em Under My Thumb, Start Me Up, (I Can´t Get No) Satisfaction e tantas outras jóias, são grandes.

http://www.youtube.com/watch?v=4yZVJdAqX6Q

domingo, 16 de janeiro de 2011

Jacinto de Thormes

Pseudônimo de Maneco Müller (Manuel Bernardes Müller,1923-2005), citado em "Café Soçaite". Foi uma figura interessantíssima - filho de diplomatas e neto do ex-governador Lauro Severiano Müller, Maneco é considerado o criador do moderno colunismo social brasileiro. Sua projeção trouxe mais espaço e prestígio à profissão. Apaixonado por futebol, trabalhou também como cronista esportivo.

Segue texto transcrito de uma saborosa entrevista concedida a Geneton Moraes Neto, da TV Globo, em março de 2004.

http://www.geneton.com.br/archives/000030.html

Dureza

Quando começo a ler uma crítica literária ou resenha, e aparece do nada clichês como "romance de alta (ou baixa) voltagem", bate uma preguiça atroz de seguir. É o tipo de figura de linguagem que me deprime.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Café Soçaite (1955)

Para fechar os posts musicais de hoje, um samba de breque de primeira, de Miguel Gustavo, que ficou famoso na voz de Jorge Veiga. Gustavo era colunista social conhecido no Rio e compositor de jingles que marcaram época. Teve parecerias com o grande Bezerra da Silva. Saboreou o sucesso com Café Soçaite - meu pai adora e me sugeriu.

Mais tarde, compôs o famosíssimo hino do Brasil tri-campeão na campanha do México, em 1970 (venceu o concurso para o evento) - "Todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a seleção (...)". Não duvido que tenha se queimado, por ter coincidido com o período mais sombrio da ditadura militar. Morreu dois anos depois, aos 50 anos incompletos.

Não consegui a música no Youtube (só um trechinho com Bethânia, mas muito curto), então vou com a letra, deliciosa, na íntegra:

Doutor de anedotas e de champanhotas,
Estou acontecendo no café soçaite,
Só digo enchanté, muito merci, all right,
Troquei a luz do dia pela luz da Light.

Agora estou somente contra a Dama de Preto,
Nos dez mais elegantes eu estou também,
Adoro riverside, só pesco em Cabo Frio,
 Decididamente eu sou gente bem.

Enquanto a plebe rude na cidade dorme,
Eu ando com Jacinto que é também de Thormes,
Teresas e Dolores falam bem de mim,
Já fui até citado na coluna do Ibrahim.

E quando alguém pergunta como é que pode
Papai de black-tie jantando com Didu,
Eu peço mais um uísque embora esteja pronto.

Como é que pode? Depois eu conto.

Absolute Beginners (1986)

Belíssima canção romântica "comercial" de Bowie, aqui em vídeo, ao 39 aninhos (não achava na época!).

http://www.youtube.com/watch?v=r8NZa9wYZ_U

Zezé Motta - Magrelinha (1978)*

A versão de Zezé para esta grande canção de Melodia é um dos pontos mais altos da MPB, na modestíssima (pero no mucho!) opinião do blog. Começo de arrepiar, vai  num crescendo, até chegar ao clímax - e que clímax: "super-sangue, super-sangue, super-sangueeeee!".  E depois: "super-carioca, super-eu, super-eu!". Bela linha de contrabaixo.

* Composição de 1973.

http://www.youtube.com/watch?v=wdmk28JQ5-A&feature=fvsr

Castles In The Air (1982)

É bem interessante porque possui um intervalo musical pouco comum na música popular, e que ainda tem o mérito de soar absolutamente natural - mas não é, porque um intervalo de quarta, que puxa para a dissonância. Está exatamente no trecho em que Don McLean canta "save me from all the trouble and the pain (...)"*. Linda e despretensiosa canção.

*Falando em intervalos quarta (intervalo entre as notas Mi e Si bemol, por exemplo), a canção do post abaixo, Não Existe Pecado (...), possui um belo intervalo de quarta: na parte em que Ney canta "a todo vapor", mais precisamente na pronúncia das sílabas "a to".

http://www.youtube.com/watch?v=TTqi7iEZEWA

Não Existe Pecado ao Sul do Equador (1978)*

Tema da novela (das sete) Pecado Rasgado (de Silvio de Abreu**), com Ney Matogrosso no auge da forma - aqui em vídeo hilário, Ney acompanhado de Os Trapalhões, provavelmente para um quadro do Fantástico da época - mas em playback, o que é bom, porque é a versão original de estúdio. Grande canção do Rei dos Jabutis

* Composiçãode 1973, da peça Calabar.

** Primeira novela do autor na Rede Globo. Apenas um ano antes, na TV Tupi, estreava com sucesso como autor (parceria com Rubens Ewald) de Éramos Seis.

http://www.youtube.com/watch?v=Sf-WGYJHO8g

A melhor versão de Lucy In The Sky é de Elton John (1974)

O começo, teclado soando quase como guitarra, discretos sinos de igreja e o vocal de Ellton, soberbo. Grande canção de John Lennon, mas que só encontra seu momento aqui, e não na versão de Peppers (1967), muito empostada, como de resto em boa parte do disco famoso.

http://www.youtube.com/watch?v=_nTGSIdW6pc

Jandaia

Chamadas de programas de TV voltados para a preparação de uma infinidade de drinques, receitas complicadas etc. Não é a minha praia, de jeito nenhum.
Bebo agora, num boteco, um drinque insuperável, "preparado" por mim mesmo e composto dos seguintes ingredientes: dose generosa de vodka Stolichnaya, outra de suquinho de caju Jandaia*, já adoçado (vem com o canudinho para copo!) e gelo a gosto. Precisa mais?

* Com suco de pêra SuFresh fica igualmente ótimo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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A monstruosidade do caso Joana - que não aconteceu em Dachau, mas no Rio, e há tão pouco tempo; a tragédia das águas na Região Serrana do estado do Rio, principalmente Teresópolis e Nova Friburgo. Não há por que escrever agora.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Saudade FM

Assim que der, quero escrever sobre uma estação de rádio que descobri no litoral. É de Santos, chama Saudade FM (100,7 MHz), e se você não se incomodar de topar (muito de vez em quando) com um Nelson Ned (!), Reginaldo Rosse ("Mon Amour", anotei!) ou Wanderley Cardoso ("Socorro Nosso Amor Está Morrendo"), tem uma programação noturna sensacional, com um mix matador de hits de tudo que é estilo, época e lugar.

Dá para ouvir pela internet: http://www.saudadefm.com.br/

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Virtuose

Palavra quase francesa da língua portuguesa/Brasil.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Satisfação

Hoje meu filho, Gabriel, de 4 anos, tomou uma decisão importante, por conta própria. Numa lanchonete, um dos atendentes perguntou se ele era são-paulino. Na lata, ele respondeu “não, sou corintiano”! Fiquei duplamente surpreso (e feliz), porque nem sabia que ele conhecia o significado da palavra são-paulino (até porque evitamos ao máximo falar palavrões em casa!), e nunca o induzi a torcer pelo meu time. Dá-lhe Gab!

domingo, 9 de janeiro de 2011

Back in town

De volta a São Paulo*, 12 dias de quase férias na praia, mas valeu muito! Amanhã o blog volta à ativa, assim espero.

*Como quase disse Caetano, São Paulo é a segunda melhor cidade do mundo para se viver na América do Sul!