quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Surpresa

Hoje ouvi no rádio “Pra não dizer que não falei das flores”, De Vandré, com ele. Para minha surpresa, fiquei tocado pela beleza da canção, que não ouvia há um bom tempo. Sua voz potente mas sem floreios, quase seca, soa bem; o arranjo com dois violões, muito bem tocados – solo e acompanhamento – dá um tom suave, que contrasta com a letra pregando a revolução. A própria letra é indiscutivelmente bonita, bem escrita - seu tom assumidamente planfletário/conclamatório, de tão eficiente, faz a gente ter vontade de pegar um cantil(!), um canivete suíço e sair por aí, atrás de alguma coluna Prestes perdida, hehe! Enfim, trata-se de uma bela canção, que não envelheceu tanto assim, ou melhor: envelheceu com classe.

PS: de qualquer forma, revolucionário hoje, no Brasil, é eleger Serra presidente. "vem vamos embora que esperar não é saber - quem sabe faz a hora não espera acontecer". O refrão segue atual!

Segue link http://www.youtube.com/watch?v=1KskJDDW93k 

PS 2: felizmente consegui o da gravação em estúdio (a que ouvi no rádio), e não a versão ao vivo, bem menos interessante musicalmente, mas que é o link mais comum da canção no youtube.

Haydn - trios para piano

Definitivamente, o melhor Mozart não teria existido sem os trios para piano (com cello e violino) de Haydn - não é à toa que Mozart idolatrava tanto seu conterrâneo mais velho. Confira o trio em Dó menor, que ouço agora a Rádio Cultura FM.
Pena, perdi o número do catálogo da obra e não consegui encontrar no YouTube, fica para uma próxima.

PS (ler post anterior)

Me ocorreu que "Bastidores", consagrada por Cauby Peixoto já em 1980, pode ser considerada o 'Drama' de Chico Buarque, evocando o passado com maestria, com toques de atualidade ("nunca cantei tão lindo assim"). Melodia e letra perfeitas - outra obra-prima do gênero retrô.

http://www.youtube.com/watch?v=WaqXdSUWKfg&feature=related
PS: pena que só consegui uma versão ao vivo, bem inferior a de estúdio, como é praxe.

Bastidores
Chico Buarque

Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
E me tranquei no camarim
Tomei o calmante, o excitante
E um bocado de gim

Amaldiçoei
O dia em que te conheci
Com muitos brilhos me vesti
Depois me pintei, me pintei
Me pintei, me pintei

Cantei, cantei
Como é cruel cantar assim
E num instante de ilusão
Te vi pelo salão
A caçoar de mim

Não me troquei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltar

Cantei, cantei
Nem sei como eu cantava assim
Só sei que todo o cabaré
Me aplaudiu de pé
Quando cheguei ao fim

Mas não bisei
Voltei correndo ao nosso lar

Voltei pra me certificar
Que nunca mais vais voltar

Cantei, cantei
Jamais cantei tão lindo assim
E os homens lá pedindo bis
Bêbados e febris
A se rasgar por mim

Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim

Drama (ler post Festa Imodesta)

Também de 1974, gravada estupendamente por Maria Bethânia, mostra os recursos infindáveis do compositor, evocando na melodia, sonoridade e letra, o melhor estilo "dor-de-cotovelo" produzido no Brasil nos anos 30 e 40, mas com um ou outro verso que nos fazem saber que não se trata de uma velha canção (como a último verso do refrão). Melodia riquíssima, que não se repete, apenas o refrão, grudento. Letra que esbanja virtuosismo na homenagem retrô, sem ironias tropicalistas. Vicente Celestino, que já tinha morrido na época, aprovaria, com louvor. Obra-prima!
http://www.youtube.com/watch?v=VRQni3vJWrE

Drama
Caetano Veloso

Eu minto mas minha voz não mente
Minha voz soa exatamente
De onde no corpo da alma de uma pessoa
Se produz a palavra eu

Dessa garganta, tudo se canta:
Quem me ama, quem me ama?

Adeus! Meu olho é todo teu
Meu gesto é no momento exato
Em que te mato

Minha pessoa existe
Estou sempre alegre ou triste
Somente as emoções

Drama!

E ao fim de cada ato

Limpo num pano de prato
As mãos sujas do sangue das canções

Saudosismo

Esta gravação, de 1968, com os Mutantes, sempre foi bem rara, mas agora o YouTube facilita tudo. É uma das grandes canções de Caetano, em minha opinião. Melodia simples, mas bem construída, letra que homenageia João Gilberto e a bossa nova, remetendo a uma época já precocemente distante, em que ainda vigorava a liberdade política e um bem estar difuso. Traz uma sutil e bela referência aos novos tempos da ditadura militar ("eu você, depois, quarta-feira de cinzas no país"), ao mesmo tempo em que critica a banalização da Bossa ("as notas dissonantes se integraram ao som dos imbecis"). Por tudo isso, não deixa de ser uma canção de protesto, mas sem os ranços típicos do gênero. Acima de tudo, é uma belíssima canção da saudade do que passou e não tem volta, mas também de superação - temos que seguir adiante e virar a página, a despeito de tudo. O refrão "chega de saudade" no imperativo, sintetiza essa idéia, subvertendo a letra da obra-prima de Tom e Vinicius, cuja levada tem mais a ver com "não agüento mais de tanta saudade", uma rendição.

http://www.youtube.com/watch?v=wlpdPO1DGJ0

Festa Imodesta

De 1974, mostra que, se quisesse, Caetano produziria em quantidade industrial sambas da velha guarda, de primeira linha, a Chico Buarque, para quem a composição foi especialmente composta. A melodia é rica e complexa, e o compositor parece se divertir em usar alguns clichês do gênero, enriquecendo-os. Mas penso que há uma pegadinha ali - a letra metalingüística, de rimas ricas, que foge dos temas de sempre do samba, do samba-canção, e debocha da censura da época, parece ser também quase uma ironia ao próprio gênero e seus criadores. Grande canção de Caetano Veloso, aqui com ele e Teresa Cristina.

http://www.youtube.com/results?search_query=festa+imodesta+teresa+cristina&aq=f

Meias verdades e mentiras inteiras

Sempre que a claque petista invoca a coragem de Dilma durante a ditadura militar, eu penso que a coragem será ou não uma virtude, a depender do contexto em que é empregada. Hitler, Pinochet, Stálin, Franco, Mao, Mussolini, Sadam e tantos outros podem ter sido tudo de ruim - e foram - mas ninguém lhes pode negar a coragem que sempre tiveram. Mas em prol de quê?

Digo isso porque, ainda que Dilma tenha de fato combatido a ditadura militar, é mentira que a coragem da candidata oficial teria servido para defender a democracia brasileira àquela época. Nada justifica a violência, a tortura que barbara e covardemente ela sofreu pelas mãos de militares criminosos, mas sua luta, ao contrário do que a candidata afirma na campanha, não era para trazer de volta a democracia perdida, e sim para tentar implementar um socialismo à cubana no país - um regime totalitário, enfim, pior que a ditadura militar, que tinha natureza autoritária, com exceção do período Médici. É bem diferente da atuação de um Charles de Gaulle, que lutou pela resistência francesa contra a ocupação nazista, tornou-se seu líder maior, se arriscou por ela, mas sempre em defesa da democracia, tanto assim que, quando a guerra acabou, de Gaulle tornou-se primeiro-ministro do Governo Provisório Francês, mas renunciou logo depois, devido a conflitos políticos. Ele só voltou a chefiar o governo mais de uma década depois, como primeiro-ministro, escolhido pela Assembléia Francesa, e em seguida tornou-se, pelo voto, o primeiro presidente da Quinta República.

Nada a ver com 'comandantes' como Fidel, Pol Pot e tantos outros que, ao liderar um processo revolucionário bem-sucedido, se sentiam no direito de se instalar com seu grupo no poder, sem consulta popular, para lá permanecer indefinidamente, formando um estado totalitário, o que seria o caso se a organização de guerrilha VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), a que Dilma pertenceu, triunfasse no Brasil - o que, de qualquer forma, sempre foi uma possibilidade muito remota. A tentativa recorrente de reescrever o passado é inaceitável, mas o pior é que, infelizmente, tem sido bem-sucedida na democracia brasileira, que assim, pouco a pouco, vai sendo minada.

Falta verve

No pouco tempo que agüento ver a Dilma falar na TV - aquela fala truncada, nervosa e sem nexo de quem tentou decorar as frases, mas sem efeito - sempre me vem à cabeça a falta que faz a verve de um Brizola ou de um Covas. Num debate com um político desse naipe, Dilma seria trucidada, e sua candidatura, rapidamente liquidada, pelo ridículo em que cairia.