quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Astonished

A história que segue é real e aconteceu hoje, no começo da tarde. Estava trabalhando (e de vez em quando postando) numa biblioteca com Wi-Fi, quando um senhor, aparentando uns 80 e poucos anos, senta perto de mim e me aborda super entusiasmado com seu netbook, realmente minúsculo, que lhe serve de plataforma de trabalho. Mas a empolgação dele é outra. Diz, sorridente, que após tantos anos, deixou de pagar a conta da conexão de internet. Por isso vem só de vez em quando a lugares como esse, para ler e-mails, dar uns telefonemas etc. Bem impressionado pela vitalidade daquele senhor ainda ativo, pergunto se não faz falta se conectar em casa. A resposta me deixou sem palavras. "Ah, mas eu me me conecto em casa, sim". Mas como, pergunto eu, me sentindo meio ignorante. "Simples! Procuro alguma conexão Wi-Fi dos meus vizinhos de prédio que não tenham senha, entro, navego, pego e-mails e continuo o trabalho". Pausa e ponto final.

Literatura Comparada e Presentismo

Aliás, falei em professores de literatura e me veio à cabeça certos cursos de Literatura Comparada. Muitos são pura picaretagem, em que os ditos especialistas gastam 100% do tempo tentando provar as motivações deste ou daquele grande escritor em uma dada obra (o que passava pela cabeça do gênio quando da elaboração do segundo parágrafo do décimo capítulo etc), praticando, portanto, um tipo de 'presentismo' descarado, explícito. Por presentismo, como definiu Paulo Francis, entenda-se a tentativa de dissecar o passado com os conhecimentos do presente, como se nossos antepassados, sem mais o que fazer da vida, só tivessem vivido para nos legar esse presente em que vivemos... E o pior é que, neste caso, mesmo com conhecimentos dos fatos históricos, os caras erram fragorosa e invariavelmente... e não poderia ser diferente, porque não dá pra misturar alhos com bugalhos: fatos concretos envolvendo uma coletividade é uma coisa, mas é quase impossível adivinhar o quê, como, de que maneira e em que grau esses fatos afetam cada indivíduo, gênio ou não... Argh.

Chão de Ferro

No final do ano encontrei uma brecha para reler Pedro Nava - fazia um bom tempo que não dava bola para ele. Na verdade, durante (toda) a década de 90, li tanto e tão repetidamente seus livros de memórias que parti para os comentaristas. Aliás, é preciso ter cuidado com certos ensaios de literatura feitos por 'especialistas', ou seja, professores de literatura. Às vezes são bem pertinentes, mas seus autores, quando não escrevem mal ou partem para a idolatria e verdades absolutas, quase sempre vêem defeitos na estrutura dessa ou daquela passagem, capítulo ou boa parte da obra analisada. Eu acabei me deixando influenciar (não de todo), comecei a ver pêlo em ovo e fui deixando o velho Nava para trás. Mas perto do Natal, não resisti a uma edição de Chão de Ferro que descansava na prateleira, me encarando - a única de minha coleção (que começou com meus pais) que comprei num sebo (em 1995), uma bela edição da José Olympio de 1976, já com coloração das páginas meio enferrujada, uma delícia. E o livro, se não arrisco a dizer que é o melhor, digo que hoje é o que me dá mais prazer. Tem várias, inúmeras passagens antológicas, me comove invariavelmente, é batata... Que livro maravilhoso, e apesar de ser o número 3 das Memórias, acho que pode muito bem ser o primeiro para quem ainda não começou a sequência, sem atrapalhar. Recomendo muito e PS: há um bom tempo Chão de Ferro foi reeditado e é facilmente encontrado nas boas livrarias da cidade. Uma pena que a José Olympio seja só passado, mas isso fica para um outro comentário.

Vida Alheia

Criei recentemente uma conta no Facebook, e noto que não se pode zapear à vontade por amigos de amigos se não fizermos o convite etc. Na prática isso é bom, porque as coisas ficam mais objetivas e seguras, mas foi inevitável lembrar do começo do Orkut, coisa de 4, 5 anos, até menos, quando dava para navegar ad aternum nos perfis dos amigos dos amigos, até cansar (hoje isso não deve rolar mais). E nem precisava ter conta, só Gmail, tanto que nunca tive um perfil lá (aliás tive, mas por muito pouco tempo, coisa de dois meses). Gostava, de começar por desconhecidos, até tentar fechar o círculo com algum amigo. Gostava mais ainda - como todo mundo - de fuçar esses desconhecidos, os gostos, listas de filmes, livros, férias, acabava rolando umas dicas interessantes, outras patéticas, mas no fim sobrava uma melancolia de constatar que somos muito parecidos nos nossos desejos, muito mais do que gostaríamos. Mesmo podendo ser essa diferença tão significativa quanto o 1,5% que nos diferencia dos chimpanzés. Por isso, em que pese o fim da brincadeira de espiar pelo buraco da fechadura, o atual mistério por trás de cada fotinho acaba soando melhor.

Estranhamento

Quando escrevi sobre Caetano, na hora de listar alguns outros grandes, não hesitei em escrever o nome de Assis Valente, já que ele compôs grandes canções e isso é de conhecimento geral, ou deveria ser. Mas o que eu não sabia até hoje, é que Assis Valente nasceu na mesma cidade de Caetano, Santo Amaro da Purificação, 31 anos antes (1911). Mesmo admitindo não ter lido nenhuma biografia de Valente, ainda sim acho surpreendente não ter descoberto essa coincidência em vários artigos e livros sobre MPB que li ao longo da vida, porque a considero relevante. Chega a ser estranho. Aliás, cabe um PS: Santo Amaro é mais falada hoje por causa de Dona Canô do que por Caetano ou Bethânea. Mas a mãe de Chico Buarque tb é centenária e ninguém fala nada! Cultura inútil do dia!