segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tierra

Dia de posts numerosos - hoje deu para ouvir 'Terra', no celular, da minha seleção de mp3 que não renovo desde 2003. A canção é irregular, mas a repetição constante da bela melodia produz efeito surpreendente. Gosto especialmente da última estrofe, que ganha um som de cítara indiana meio fake: "Nas sacadas dos sobrados, na velha São Salvador/Há lembranças de donzelas, do tempo do imperador/Tudo, tudo na Bahia, faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito... " Caetano aos 35, nada mal.

Brejinho

Tem boteco que manda comprar pão na padaria da frente, mas sabe fazer um sanduíche mil vezes melhor que a citada padaria da frente; questão de competência. Salve Arara e Zagalo. PS: tirei uma foto deste meu boteco do coração que há muito não visitava e que fica a não mais que uns 80 passos do meu elevador, mas ainda não aprendi como fazer para postá-la aqui.

Javier Marías

Os contos de Javier Marías em 'Quando Fui Mortal' são um deleite. O conto que dá título ao livro já é no mínimo uma pequena obra-prima, mas o que vem na seqüência, chamado 'Todo mal volta', é simplesmente uma das coisas mais belas que já li na vida, e, em que pese a limitação do meu alcance, isso para mim não é pouco - o espanhol me parece mesmo grande.

Preconceito

O técnico Joel Santana é espetacular. Assumiu um Botafogo recém-humilhado, goleado que foi pelo Vasco por inacreditáveis 6X0 pouco antes de assumir, e, em menos de um mês, fez o time se recuperar a ponto de vencer a Taça Guanabara na final contra o... Vasco! E pensar nas gozações preconceituosas que Joel sofreu recentemente quando treinava a seleção da África do Sul, país que, todos sabem, vai sediar a Copa de 2010 em junho próximo. Ele cometeu o grande pecado de tentar se comunicar diretamente com os jogadores em inglês, idioma que não dominava, mas que se propôs a aprender, quanta petulância... Para isso, fugiu do convencional e dispensou tradutores pagos a peso de ouro pela comissão técnica, mas não demorou a ser flagrado cometendo erros que pareceram muito graves a uma certa elite brasileira, que espalhou a coisa pela internet, via Youtube. Muitos dos mesmos que se levantaram há não muito tempo para bradar "é preconceito!", contra toda e qualquer crítica a Lula, o operário-padrão que chegou ao poder... É que no Brasil há preconceitos que são ou não permitidos, a depender da força da vítima. Argh.

1979 (2) e injustiças

Essa é para quem gosta de futebol - minoria esmagadora de um contingente já bem reduzido! Sobre o post '1979', basta dizer que naquele ano, pela primeira vez a dupla Zicrótes (Zico e Sócrates) jogou na seleção brasileira, convocada por Cláudio Coutinho - sucesso absoluto, óbvio! Mas não só. Aos 18 para 19, Maradona chegava à seleção principal de seu país com o mesmo sucsesso, e Guarani (Zenon, Renato, Careca e cia) e Ponte Preta (Dicá, Odirlei, Humberto, Oscar, Carlos) estavam entre o cinco ou seis melhores times do Brasil - além de Palmeiras de Jorge Mendonça e Telê Santana, Flamengo de Zico e Coutinho (e Seleção Brasileira), e Internacional de Falcão, Jair e Batista. PS: não nos esqueçamos do Corinthians de Sócrates e Palhinha. PS: inacreditável que Odirlei não tenha sido convocado para a Copa da Argentina em 78 - Coutinho preferiu improvisar o jovem zagueiro Edinho na posição (lateral-esquerda). Idem Sócrates e Falcão - este menos, pois hoje tendo a concordar com o grande Oswaldo Brandão (além de Coutinho, claro) que Chicão era mais eficiente naquele setor.

Para quem nunca cogitou escutar uma canção do Roberto.

É simples. Ouça, na voz do cantor, Como Dois e Dois, de Caetano Veloso. Trata-se de um blues meio à brasileira, mas tudo bem, é uma das grandes canções de Caetano, o que está longe de ser pouco. O compositor baiano tinha 27 para 28 anos e ainda estava em seu exílio londrino quando compôs esta linda música down, de letra e melodia mais que inspiradas. E a voz de Roberto soa estupenda.
http://www.youtube.com/watch?v=5VkcRR9eiOw

Cinema e cartilha

Sobre a boa entrevista de Jean-Claude Bernardet a Luiz Zanin Oricchio, no Estadão de ontem, gostaria de comentar algumas coisas. É justíssimo que Jean-Claude prefira o cinema sem a narrativa (ainda que muitos filmes considerados de arte façam questão de mantê-la). Até aí tudo bem, porque ele é um pensador do cinema, e dos bons, e tem o direito de admirar o tipo de cinema que quiser. Mas em dado momento da entrevista, chega a defender o cinema como indústria, a pretexto de citar Paulo Emilio, mas quase como se fosse uma grande concessão, um tipo de mal necessário. Me ocorre que o problema do cinema no Brasil talvez seja faltar justamente intelectuais importantes como Jean-Claude, mas que defendam um ponto de vista diferente, um cinema menos ousado e nem por isso (ou de forma alguma) mal feito - algo como Francis Ford Coppola, para citar um exemplo clássico, e que possa forjar uma indústria de ótima qualidade, no extremo da ponta, e de boa a aceitável, na média. Isso poderia ter criado um público mais extenso e fiel, o que poderia ter nos proporcionado a tal indústria. Sabemos que a existência de técnicos ultra-competentes que se exige no bom cinema é formada pela demanda da indústria. Onde forjar um Gordon Willis, um Sven Nykvist, senão na quantidade? Na televisão? Na publicidade? Talvez, e tem sido assim no Brasil mais recentemente, mas com resultados pífios (é claro que tem sempre um Dib Lufti para ser a exceção, mas também foi assim com Glauber – os grandes talentos, para não dizer gênios, são sempre pontos fora da curva). Um outro tema que me chamou a atenção na entrevista foi o Cinema Novo - Bernardet o admira por supostas inovações formais que o movimento teria promovido. A colocação não me surpreendeu, mas não concordo com ela. Só se ele restringir seu alcance ao Brasil, já que a Nouvelle Vague foi o que foi e surgiu antes - é como exaltar Villa Lobos pelo que realizou Stravinsky. Não sei. Acho que o fato da reflexão sobre o cinema brasileiro ter se desenvolvido com mais velocidade exatamente no período em que a visão marxista imperava poderia ser uma explicação, mas o próprio Jean-Claude faz questão de afirmar que não deve nada a ela. Mas no fundo, é como se devesse – se por um lado não reza da cartilha, por outro não se dispõe a bater de frente em questões-chave, como a indústria cinematográfica que surgiu nos Estados Unidos, por exemplo. Acho que o fato da Globo Filmes ter hoje tanta importância é antes - entre outros motivos - conseqüência do grande vácuo que os teóricos brasileiros permitiram que surgisse no debate ao longo das últimas quatro, cinco décadas. Ainda está em tempo.

1979

Sobre o post anterior, considero 1979 um ano especial, aqui e lá fora, tantos foram os grandes discos lançados, e que com o tempo (não muito, diga-se) se tornaram clássicos incontestáveis. Não tenho tempo agora para listar, mas o farei assim que puder. Não, não resisto a citar pelo menos três. Off The Wall, Cinema Transcendental e London Calling.

Past

A década de 1970 foi uma autêntica segunda época de ouro da canção no Brasil. Talvez ainda mais rica e diversificada que a dos anos trinta. Ao pensar no que foi produzido entre 1971 e 1980, fica até difícil de entender como foi possível. Era um tempo em que Caetano, Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto e Erasmo Carlos estavam no auge da forma, produzindo praticamente um novo LP por ano e não raro mais de um (como músicas inéditas e só uma ou outra regravação). Cantoras como Gal, Bethânia, Elis, Clara Nunes, idem e, com menos freqüência, a linda voz delicada de Nara Leão. Havia os jovens Alceu Valença, Djavan, Fagner, Walter Franco e Marina (já no finalzinho da década), sem contar Jorge Ben, Tim Maia, João Gilberto, e o verdadeiro início do rock nacional, com Casa das Máquinas, Rita Lee, Tutti Frutti e Arnaldo Baptista. Não faltavam bons produtores, como Guto Graça Mello, Rogério Duprat, entre muitos outros. No mundo, o rock e o pop viviam igualmente um período extraordinário, com inúmeras grandes bandas e talentos-solo como Led Zeppelin, Bowie, Stones, Iggy Pop, Neil Young, Lou Reed, Pink Floyd, Queen, bandas punk, punk rock e já pós-punk, Marvin Gaye, Michael Jackson, disco music etc, etc. A música erudita tampouco era ignorada, e uma grande quantidade de gravações entrou para a história, como a dos pianistas Horowitz e Abbado, as philarmônicas de Viena e Berlim, orquestras de rádios do leste europeu, entre vários outros registros. A indústria do disco florecia, e esse boom incentivava o surgimento de grande talentos, numa espécie de círculo virtuoso perfeito. Uma outra era. E até que durou muito.