terça-feira, 5 de outubro de 2010

Incongruentes

O premiado escritor argentino Alan Pauls, em entrevista ao Estadão de hoje, ainda que de forma meio dissimulada, se recusa a criticar a tentativa explícita dos Kirchner de estrangular os recursos econômicos dos principais jornais de seu país, atitude que atenta contra a liberdade de expressão e a democracia na Argentina. Pelo contrário, diz que esse embate é saudável por incentivar um "debate vital" a cerca do poder - ao seu ver excessivo - de "certos grupos mediáticos". Ao se manifestar dessa forma, faz (má) companhia ao cantor Fito Paez, que foi pelo mesmo caminho, desta vez em recente declaração à Folha de S. Paulo. Parece que esses artistas sentem algum tipo de nostalgia inconsciente da ditadura. Lamentável. Deprimente.

Aves ou ovos?

Incrível a má vontade da imprensa em geral com José Serra. Ele só teria chegado ao segundo turno por obra de Marina Silva. Tudo bem. Mas seus mais de 33 milhões de votos ajudaram um pouquinho, não? É como se fosse Serra, e não Dilma, o candidato a contar com a máquina do oficialismo. É uma postura que, entre outros defeitos, falta com a verdade, matéria-prima número um do jornalismo, ou do que deveria ser o jornalismo. Argh.

Eleições: os números sem maquiagem

Na reta final das campanhas, os institutos de pesquisas costumam divulgar apenas o percentual de votos válidos dos candidatos mais bem colocados. A razão disso é a possibilidade de um deles atingir a metade mais um dos votos válidos, e dessa forma eliminar o segundo turno. Ok, é uma opção que tenta simplificar o processo, mas considero isso um equívoco, porque infla a votação dos postulantes, mostrando números que não espelham a realidade. Vejamos alguns números desta eleição para presidente da República, realizada anteontem.


O (excelente) site do TSE http://www.tse.gov.br/internet/index.html informa que no Brasil há 135 milhões e 804 mil eleitores, e que nestas eleições a abstenção foi de 18,12%, ou seja, compareceram às urnas 111 milhões e 193 mil eleitores. Mas desse total, 8,64% votaram nulo ou branco (votos inválidos), portanto os votos válidos totalizaram 74,80% sobre aqueles 135 milhões, o que corresponde a 101 milhões e 590 mil votos - para vencer no primeiro turno, bastaria obter 37,40% mais um voto. Vamos agora aos percentuais de votos válidos de Dilma, Serra e Marina, números que foram amplamente divulgados na imprensa: respectivamente, 46,91% (47 milhões e 651 mil votos para Dilma), 32,61% (33 milhões e 132 mil votos para Serra) e 19,33% (19 milhões e 636 mil votos para Marina).


Ocorre que, se formos computar os votos de cada um sobre o total de eleitores (quase 136 milhões, sem entrar na abstenção) esses percentuais evidentemente caem muito, mas trazem uma radiografia mais realista do quadro eleitoral em relação à população brasileira. Cesar Maia prefere calcular com base na quantidade total de votos (válidos e não válidos), já descontando a abstenção, mas mesmo assim estes percentuais serão menores do que apenas os do universo dos válidos. Vamos aos resultados nos dois cálculos: sobre o total de eleitores (sem abstenção), o percentual de Dilma cai para 35,08%, o de Serra para 24,39% e o de Marina para 14,45%. Quando excluímos os que não compareceram (Cesar Maia), Dilma passa a ter 42,85%, Serra 29,79% e Marina 17,65%. São os números reais. Ou seja: se a tendência de abstenção e nulos se mantiver (e deve aumentar, porque haverá feriado prolongado no fim de semana do segundo turno), o candidato que conseguir algo entre 36 e 37% do total do eleitorado (pouco mais de um terço dele) será o próximo presidente do Brasil. Simples assim.