sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Opções

Acho que João Gilberto não se tornou um grande compositor da MPB por pura falta de interesse - as duas ou três canções que chegou a compor são bem interessantes e apontavam para possíveis novos caminhos. Mas preferiu investir tudo na criação de um jeito novo de cantar e tocar violão, bem como no seu constante aperfeiçoamento. Ninguém pode dizer que não foi bem-sucedido na missão, porque a Bossa Nova já nasceu como um ritmo universal e eterno. Penso que Tim Maia e Fagner tb seguem nessa linha, não no que toca um novo ritmo, claro - mas é que eles chegaram a compor belas canções no início, mas preferiram investir na carreira de cantor, cada um com suas levadas preferidas, o que tb não foi pouca coisa, já que conseguiram voar alto aqui e ali.

Teatro de arte

Um alento saber que existe no teatro brasileiro um diretor com o talento e a competência de Marcio Aurelio. Pássaro do Poente", no distante 1987 (assisti no dia de Natal daquele ano, nunca me esqueci disso), me tocou fundo com sua linda história, dança, cenografia, gestual. Mais recentemente, idem Agreste. É um diretor que tem delicadeza de sobra, mas ao mesmo tempo muito rigor, exatidão no que quer passar, sem ser naturalista, ou preguiçoso, bem longe disso. Pássaro do Ponte, o primeiro ato de Cacilda! e Macunaíma estão entre as melhores coisas que já vi na vida, incluindo cinema, música etc. Depois gostaria de falar um pouco de Zé Celso e Antunes Filho.

Raul

Como Raul Cortez tem feito falta para a cultura brasileira - na TV, teatro, cinema etc. Digo isso porque ele ainda teria muito mais a dar, era do tipo de ator que, caso vivesse até os noventa e tantos, estaria trabalhando naquele seu nível elevadíssimo de sempre, até o fim. Uma vez fui apresentado a ele numa festa, em sua casa. Ainda era muito novo para me comover com isso, tinha outros ídolos, mais ligados à música (alguns tão inacessíveis quanto inexpressivos). Hoje seria bem diferente, e não teria vergonha de dizer da minha enorme admiração por ele. Perdi os memoráveis monólogos "Ah! América" e "Um Certo Olhar - Pessoa e Lorca" por pura inércia, assim como Rei Lear. Mas não perdi Amadeus, que assisti ainda adolescente, sem piscar - seu Salieri não era menos que soberbo. De qualquer forma, é preciso saber depurar o gosto rápido, e aproveitar o máximo possível da presença dos grandes artistas. Nossos vacilos raramente são compensados.

Costumes e Barbara

Barbara Heliodora me ganhou de primeira, quando, numa entrevista há uns bons 10, 12 anos (ou mais), explicou por que fazia (e ainda faz) questão de assistir precisamente a estréia para escrever a crítica de uma peça. Ela partia da constatação óbvia de que o preço do ingresso da estréia era cobrado como em qualquer outro dia da temporada, e por uma questão de respeito ao público pagante, ela deveria saber se a peça era boa ou ruim o mais rápido possível, para alertar as pessoas ou incentivá-las a ir ao teatro. Simples, de uma obviedade inquestionável, mas não no Brasil da época, porque a todo momento, quando a crítica não era favorável, Barbara contava que era interpelada pelos atores e diretores com um "mas por que vc não esperou mais tempo?, para a peça ganhar ritmo" e tal, absurdos para os quais ela tinha a tal resposta que o preço do ingresso era cobrado desde o começo, e não apenas a partir do momento que a peça ganhava "ritmo" etc, etc. Me lembrei disso por causa do post abaixo, claro. No fundo, essa camaradagem que se espera dos críticos, no Brasil, continua firme e forte. E, infelizmente, com a ajuda luxuosa dos próprios veículos...

Preguiça

Leio no Caderno 2 de hoje sobre uma nova peça de Enrique Diaz, 'In on It'. O título da matéria é uma opinião do diretor, nada modesta, por sinal, dizendo que a montagem brasileira seria melhor que a original, de Nova York. Ele tem todo o direito de achar isso, talvez a sua seja mesmo melhor. O que não consigo aceitar é a postura da editoria, que a encampa sem nada questionar, e ainda dá título à longa reportagem. Cadê a crítica? Não tem, só um texto entremeado com citações de Diaz. Fica claro que a autora do texto (Beth Néspoli) joga a favor da peça, até aí tudo bem, mas isso não é embasado por uma crítica escrita por ela, explicando por que a peça seria boa - ela simplesmente deixa no ar que sim, vale a pena pagar para ver. Não gosto disso, até porque este exemplo com Diaz está bem longe de ser exceção no Caderno 2, e tb em boa parte do jornalismo voltado para cultura e entretenimento no Brasil, internet incluída. Um jornal da importância de O Estado de S. Paulo, assim como da editoria do Caderno 2 não deveria se prestar a ser um simples divulgador. Prefiro o exemplo da Folha, em que, quando se trata das expressões artísticas populares e importantes como cinema, música e teatro (ainda), sempre há o cotejamento entre a opinião dos autores e a do crítico, em texto colocado na mesma página, mesmo que eventualmente menor que o da divulgação. Agora me deu vontade de falar de teatro.