terça-feira, 27 de julho de 2010

Na real

Procurando por uma mangueira específica para um tipo de luminária de teto, difícil de encontrar, fui à Santa Ifigênia. Consegui o que queria (na Santil, boa loja do ramo), sinal de que o comércio da rua continua funcionando bem, mas encontrei a mesma degradação de sempre - gente seminua deitada nas calçadas (das ruas transversais), crianças largadas, camelôs agressivos, mau cheiro etc, etc. A propaganda oficial nos diz que o Brasil é um dos novos ricos do pedaço, mas nada como um choque de realidade na região da Luz e adjacências, em pleno horário comercial.

Absurdos cotidianos

Não sei se é só em São Paulo que acontece, mas, a pretexto de oferecer 'segurança' para seus moradores, uma grande quantidade de prédios residenciais instalou potentes luzes perto dos portões, que durante a noite são acionadas por sensor tão logo alguém passe na frente, pela calçada. Além de causar desconforto físico, já que explodem nos olhos, essas luzes impõem uma humilhação ao tratar pedestres como bandidos potenciais. Seu uso não deveria ser permitido.

Mano na Seleção

Por linhas tortas, foi boa a definição de Manos Menezes como o novo treinador da seleção brasileira. Sua primeira convocação, cheia de novidades, foi excelente, agradando a gregos e troianos, e já na primeira entrevista coletiva o ex-técnico do Corinthians deu um show, se mostrando articulado, inteligente e bem educado, mas não subserviente à imprensa. Mano se expressa bem e sem afetação, coisa rara no mundo do futebol - possivelmente não se vê isso em um técnico da Seleção nos últimos 40 anos, no mínimo. Muricy Ramalho é ok, competente, construiu um currículo vitorioso, mas é tão ou mais intratável que o antecessor, Dunga, o zangado. Este pelo menos tinha a desculpa, o trauma de ter sido espizinhado pela imprensa, como jogador, na derrota de 1990 – não justifica, mas pode explicar, vindo de uma pessoa de inteligência emocional tão baixa. Já Muricy sempre fez a linha ‘escrotinho do bem’ nas coletivas, com sua mania, talvez por puro sadismo, de maltratar quem não pode se defender na mesma medida, o que mostra uma boa pitada de covardia – ainda assim é aceito por parte da grande imprensa, principalmente entre os que não precisam tratar com ele no dia a dia... Mas não é só por questões de postura. No plano tático, logo de cara Mano propôs o 4-3-2-1, esquema muito mais atual e de acordo com a tradição ofensiva do futebol brasileiro que o ultracauteloso e já caduco 3-5-2 de Muricy. Isso não significa que Mano vai se sair bem - tem um abacaxi logo no ano que vem, Copa América realizada na Argentina, país que terá de ganhar na marra devido ao jejum de títulos – e terá de tomar cuidado para não ser fritado. Agora é esperar pra ver, mas acho que finalmente vou voltar a torcer para o Brasil.

O melhor Pelé

O fenômeno Pelé tende a ser visto como uma linha homogênea, na qual um jogador de gênio reinventou a arte do futebol ao produzir uma sucessão de façanhas ininterruptas, sempre a serviço do time, até a sua aposentadoria. Mas, ao analisar a performance de Pelé ao longo da carreira, acredito que, mesmo sem tê-lo visto atuar, não foi bem assim.

O período que vai de 1958 a 1965 - que classifico aqui como sua segunda fase - é o verdadeiro período miraculoso do jogador (parodiando o 'ano miraculoso' de Newton, em 1666, e o de Einstein, em 1905), no qual Pelé, magrinho e rápido como um flecha, conseguiu ampliar e aperfeiçoar o repertório de jogadas do atacante que vinha de trás - o antigo ponta de lança - e, dado a quantidade e o grau de dificuldade de seus feitos (visão de jogo perfeita, gols antológicos, dribles e fintas em velocidade, extrema precisão nos passes, cabeçadas, lançamentos e finalizações [com os dois pés] de perto e de longe, entre várias outras qualidades), tornou-se absolutamente incomparável, um fenômeno único não só no futebol, mas também no esporte de alto rendimento, seja qual for a modalidade, em qualquer tempo.

A média de gols de Pelé entre 1958-65 é espantosa, e jamais foi igualada por nenhum outro jogador, nem mesmo por ele - foram 635 em 497 jogos, média de 1.277 gol por partida, ou praticamente 80 gols por ano em oito anos consecutivos.* Claro que, para falar sobre Pelé, não podemos nos limitar aos gols que ele assinalou, ainda que tenham sido muitos e marcantes - seus passes e arrancadas magníficas, que resultaram em gols idem, convertidos por seus companheiros de Santos e Seleção Brasileira, são quase tão importantes quanto, pena que a TV da época nos deixou registros escassos. Mas, provavelmente, o Pelé 'garçon' teve seu apogeu também nesta segunda fase de sua carreira gloriosa.

Já no final de 1957, aos 17 anos (primeira fase), Pelé era uma realidade (57 gols em 67 jogos), mas ainda não o jogador arrasador que o mundo conheceria tão pouco tempo depois. A terceira fase, entre 1966-70 - a maturidade de um ex-menino-prodígio - só pode ser classificada como excepcional, e dificilmente superada por qualquer outro jogador, mas o que eu chamo de 'período miraculoso' foi claramente a "crème de la crème" do gênio de Três Corações, daí eu ter lamentado em outro post (http://oluziada.blogspot.com/search?q=pel%C3%A9+coutinho+aus%C3%AAncia) sua quase ausência na Copa do Chile, em 1962 - possivelmente o mundo teria presenciado uma atuação histórica, monumental, diante da qual o feito de Maradona no México (1986) seria considerado um fato menor.

Para encerrar, é preciso destacar que, mesmo em sua fase descendente, a  partir do segundo semestre de 1970 e até o final de 1974  (sem levar em conta o período posterior, em que jogou nos Estados Unidos), Pelé ainda jogava um futebol muito acima da média, embora já não fosse mais o número 1 do mundo. De qualquer forma, ele continuava sendo um jogador que pairava acima dos demais, até pela reverência que despertava.

PS: esta fase de declínio técnico, ainda no Santos, pode ter relação com um tipo de desmotivação de quem já tinha conquistado praticamente tudo no futebol (Copas do Mundo, Libertadores, Mundial de clubes, mais de mil gols etc.), já que, fisicamente, o atleta continuava inteiro (mas sem a velocidade da segunda fase). Porém, desmotivação não seria a melhor palavra - talvez cansaço do altíssimo grau de exigência que Pelé sempre se impôs ao entrar em campo, esforço que cobrou um preço depois de quase 15 anos. É possível também que o jogador possa ter sentido um pouco de tédio com a profissão, afinal sua carreira valeu por muitas.

* Fonte: Guilherme Gomez Guache, do blog de Odir Cunha.