terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Literatura, currículo Lattes e Jabutis

Agora pouco, vejo casualmente (numa lanchonete) a escritora X, cerca de 40 anos, relativamente conhecida (nem tanto pelos livros). Lembrando de Littell (ler post abaixo), realmente ele deve incomodar muita gente que publica desde cedo um monte de insignificâncias - o caso de X - com uma espécie de currículo Lattes na cabeça. O raciocínio é o seguinte: vou publicando desde cedo, e a 'maturidade' se encarrega de me tornar um grande escritor(a). Quanta bobabem... Nada contra publicar desde cedo, mas será grande quem se tornar grande, óbvio, o que vale tanto para estreantes geniais como Littell - mas já não tão novos - como para os que começaram cedo e modestamente, mas foram se tornando importantes aos poucos. O mesmo para estreantes geniais precoces, como Rimbaud, por exemplo, mas nem precisa tanto - Gore Vidal começou bem aos vinte e um. O fato é cada um desses exemplos se aplica apenas a uma diminuta fração dos que se aventuram a criar algo, óbvio, porque a imensa maioria não chegará a lugar nenhum, seja com zero, um ou duzentos livros publicados... Mas é que essa conta parece que casa bem no Brasil, com algumas pseudo-sumidades premiadas ano sim, ano também, com Jabutis e outras baboseiras menores... Vale até para um ou outro Nobel... Por isso prospera.

As Benevolentes

Por falar em ocupação nazista na Rússia, esse assunto sempre foi um tipo de obsessão pra mim. Não só na Rússia, mas a ocupação que se deu em toda a Europa Oriental durante a Segunda Guerra. Por isso que fiquei tão fascinado com 'As Benevolentes', de Jonathan Littell (li o catatau de 900 e tantas páginas em cinco ou seis dias, em janeiro do ano passado). Fascinado e meio incomodado, porque é um escritor da minha idade que teve a ousadia, a petulância de encarar o assunto e a competência de fazê-lo como um Tolstoi, com quem chegaram a compará-lo, no que concordo. Littell se fechou em casa por três meses, escrevendo à mão (em francês) e pronto!, simples assim, estava terminada a obra-prima, seu primeiro livro de fato. Confesso que o feito me provocou alguma inveja (mas não muita, hehe). Tenho acompanhado a carreira dele, um francês criado em Nova York e que depois de famoso passou a viver em Barcelona. Já escreveu uns dois livros depois de As Benevolentes - sempre sobre o assunto fascismo pelo que entendi do título (ou seja, de como a humanidade pode ser má) - e a torcida é que o traduzam o quanto antes.

Caetano

Falando em compositores nascidos nos anos 1940, e mais especificamente dos brasileiros, seria o caso de destacar não propriamente esta década, mas o ano de 1942. Um ano terrível, em que a Alemanha nazista ainda vencia a guerra e mandava ver na Rússia, já ocupando um pedaço nada desprezível do seu território. Mas foi neste ano que nasceram Caetano, Jorge Ben, Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. Portanto, para quem gosta de MPB - e eu já gostei, ou já gostei bem mais - é um ano crucial. Mas vou me ater a Caetano Veloso. No que toca as canções, para mim ele é, de longe, o maior compositor brasileiro, em qualquer tempo. E não me refiro apenas às letras - isso é uma bobagem, porque canção é a arte de fazer bem a amálgama letra/melodia. Há quem faça boas letras mas não consegue fazer decolar uma canção, e vice-versa. Por isso existem as parcerias, mas há quem consiga fazer tudo sozinho e bem, ou muito bem, como ele, Bowie, Dylan, Neil Young, não muitos mais. Então não vale falar que ele é um 'bom letrista', como muita gente que o despreza faz ao fingir que o elogia - nos melhores trabalhos, a amálgama que ele já conseguiu produzir é uma alquimia de primeira classe, sem paralelo. E Caetano foi um caso raro de mestre/virtuose desde o início, (como Dorival Caymi), e se sua obra passou por uma evolução, ela foi rapidíssima e consciente - do LP 'Domingo' (1967) para o 'Caetano Veloso' (1968), em menos de um ano. E num período relativamente curto, ainda na fase inicial da carreira, foi capaz de compor, sozinho, Baby, Tropicália, Janelas Abertas nº2, Os Argonautas, Alegria, Alegria, Paisagem Útil, Superbacana, Atrás do Trio Elétrico, Saudosismo, Frevo Novo, Chuva Suor e Cerveja, Como Dois e Dois, Você não Entende Nada, London, London, Maria Bethânia, It´s a Long Way, You Don’t Know Me, Nine Out Of Ten, Drama. É um dos maiores criadores brasileiros em qualquer época, simpatize-se ou não com ele - e não estou desprezando por isso grandes da MPB como Jobim, Braguinha, Lamartine, Ary Barroso, Chico Buarque, Noel, Tim Maia, Assis Valente, Edu Lobo etc, etc, é que considero Caetano um caso à parte pela rara combinação de ousadia, inventividade e domínio letra/melodia. Mas há um bom tempo não tenho tido vontade de ouvi-lo. Talvez seja uma fase. Mas ao escrever esse post, me deu vontade de escutar 'Saudosismo', não na versão original (com Gal Costa, que é muito boa por sinal), mas a do próprio compositor, acompanhado só de violão, gravação que ele fez em Nova York em 1985. E de dizer que 'Livros', que já é do final dos noventa, é uma grande canção.

Datas e Mendelssohn

Sempre me intrigou que um curtíssimo período da história tenha concentrado o nascimento de tantos grandes da música. Em pouco mais de quatro anos vieram ao mundo Mendelssohn (1809), Chopin (1810), Schumann (1810), Liszt (1811) e Wagner (1813), mas sem forçar muito (só um pouquinho) daria para incluir Berlioz (1803). E isso nem é tão incomum, já que um trio da pesada como Händel, Bach e Scarlatti nasceu no mesmo 1685, incrível! E apenas três anos antes, Rameau... E forçando um pouco, como fiz com Berlioz, daria para acrescentar o grande Vivaldi, que é de 1678. Lembra tb o começo dos anos 40 para a música pop - no Brasil e no mundo. Tudo isso para falar da minha admiração crescente por Feliz Mendelssohn. Que compositor magnífico! Acabei de ouvir seu trio nº2, opus 66, de estremecer. É ao mesmo tempo lírico, profundo, triste, alegre, enxuto, exato. Volto depois para falar de minha veneração por Chopin.