quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Abominável

Lula, nosso operário padrão, mereceu que Orlando Zapata, o dissidente cubano que fazia greve de fome há 85 dias, morresse justo durante sua visita de cortesia e turismo a Cuba, a eterna ilha da fantasia de Chico Buarque, Frei Betto e o grande Gabo. "Ele se deixou morrer", disse Lula, tentando defender o indefensável, antes (ou depois, tanto faz) de fazer tietagem explícita a Fidel, máquina fotográfica em punho, registrando o abraço de seu ministro Franklin ao ditador aposentado. De quebra, o presidente ainda acusou a família e amigos do morto de fabricar que tivessem tentado uma aproximação com ele, em busca de ajuda. "Garanto que não chegou nenhuma carta" (sic). Mas o teatro do absurdo não parou por aí. "Demos a Orlando nosso melhor hospital, mas ele não resistiu", explicava entre sorrisos o ditador-substituto, Raul, num cinismo que talvez fizesse corar Stálin, Pol Pot, Mao Tsé-Tung e o astro maior, Hitler. É inacreditável. Em pleno século 21, Zapata já tinha sido condenado a quase 30 anos de prisão simplesmente por discordar de um regime totalitário. Iniciou uma corajosa greve de fome e morreu em decorrência dela. Mas não será um mártir da esquerda, evidente. Estava do lado 'errado', daí a acusação de Lula que teria se 'deixado morrer' - Zapata se deixou morrer, Marighella não, este é o raciocínio boçal. De todos os absurdos que tivemos que presenciar de Lula e seu staff nos últimos sete anos, este episódio em Cuba terá sido o mais baixo, leviano e estarrecedor.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Chega de replay!

As transmissões da ESPN (internacional) sempre me irritaram pelo excesso de replays fora de hora (além da chatérrima marcação de tempo em 90 minutos corridos, que nos obriga a fazer cálculos no segundo tempo). Esses excessos são tanto maiores quanto mais importante for a partida - lembro de uma final da Champions League há alguns anos em que se repetia tudo, e pior, em câmera lenta - desde jogador amarrando a chuteira, faltas bobas, cobrança de QUALQUER escanteio, close dos rostos dos técnicos etc, e o resultado disso era que perdíamos cobranças de lateral, tiros de meta, até cobranças de falta perto da área (!) e escanteios, ou seja, o que faz um jogo de futebol ser um jogo de futebol... Não duvido que os diretores de TV (quem determina o que vemos num jogo ao vivo) fossem ou ainda sejam americanos, cujo know how em futebol é tão grande quanto o meu conhecimento de patinação no gelo... E o incrível é que esse padrão para turista permanece praticamente inalterado - será que só eu notei? Parece detalhismo de aficionado, mas não é, porque sem as reposições de bola perdemos o timing do jogo, e o tal excesso de replays nos passa a impressão de estarmos vendo um VT, um simples compacto... Mas o pior aconteceu recentemente, porque não é que esse padrão ESPN chegou à Rede Globo? Falem o que quiser dos locutores, mas o padrão técnico das transmissões da Globo sempre foi impecável (deviam trazer os diretores de TV gringos pra cá para estágio), exibindo os lances importantes na medida e timing perfeitos. Mas isso, infelizmente, vem mudando. De um ano para cá, é replay depois de replay de jogador caindo, faltas normais, torcida, rosto de criança rindo, criança chorando e num slow motion interminável... e a simples transmissão da reposição de bola virou luxo: chega-se às vezes a perder o segundo ou terceiro passe depois da falta ou lateral que já se ignorou, e necas tb de uma boa cobrança de tiro de meta e até escanteio - ainda não chegou ao cúmulo de perder o início de uma cobrança de falta perigosa, mas não vai demorar a acontecer. Hoje tem estréia do Corinthians na Libertadores, com Ronaldo e Cia. Vamos ver, mas não estou otimista (quanto à transmissão, diga-se, porque no campo acredito na vitória do meu time!).

John Field

Por preguiça, já que nunca o tinha ouvido, considerava que o irlandês se tratava de um compositor menor, mas interessante, por ter dado forma ao gênero noturno, no início do século 19, que mais tarde Chopin elevaria à potência máxima. Mas nunca é tão simples. Ouvi há pouco uma fantasia para piano de sua autoria absolutamente maravilhosa. À sua maneira, também foi grande.
http://www.youtube.com/watch?v=c7dp2IsMiN8
e
http://www.youtube.com/watch?v=CPTFlFWBVss

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

2 livros

Li o artigo de Mario Vargas Llosa no Estadão de domingo, e me deu vontade de ler os dois escritores que ele elogia, Javier Cercas (espanhol) e Hector Abad Faciolince (colombiano). O primeiro tem livro publicado em português, Soladados de Salamina*. Faciolince ainda não, e seu 'El Olvido que Seremos', o principal tema da coluna, ainda aguarda tradução. Aliás, gosto muito das dicas do grande Llosa - ele não tem vergonha de rasgar elogios quando acha que é o caso, tão diferente daquela postura cool genérica que tomou o mundo de assalto. Lembro que foi por ele que tive contato pela primeira vez com As Benevolentes, mais de um ano antes de o catatau ser traduzido no Brasil. Llosa não faz paralelo, mas pesquisando Soldados de Salamina na internet, percebo que, assim como em As Benevolentes, o livro traz o ponto de vista do vilão/carrasco. Parece bem interessante. *tradução do jornalista Wagner Carelli.

Doc Francis

Praticamente nada de novo no documentário sobre Paulo Francis, pelo menos para quem era um aficionado, como eu. Mas o filme não deixa de ser uma bela homenagem a ele. Só lamentei não terem abordado as férias que ele fazia questão de passar sempre e apenas em Veneza e Londres, acompanhado da mulher, a jornalista Sonia Nolasco - ótimo texto, por sinal. Tinha tudo para dar num desdobramento muito bacana, do ponto de vista da viúva falando dessas viagens. E há que se registrar que ela não falou pouco no filme - toda parte final é com ela, num comovente e longo depoimento. Foi pena.

O iluminado

Uns dias atrás vi um trecho de uma entrevista com Eduardo Coutinho, nosso 'gênio do cinema direto', em que ele mandava ver numa declaração, acho que para a TV Cultura. Para o cineasta, a questão que realmente importa é que sabemos que vamos morrer um dia - algo assim - o resto é bobagem. Me deu uma grande preguiça, porque claro que a questão da consciência da morte é um tema caríssimo do ponto de vista existencial do ser humano, mas isso não significa que ela tenha de ser o grande tema na abordagem estética, artística.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tierra

Dia de posts numerosos - hoje deu para ouvir 'Terra', no celular, da minha seleção de mp3 que não renovo desde 2003. A canção é irregular, mas a repetição constante da bela melodia produz efeito surpreendente. Gosto especialmente da última estrofe, que ganha um som de cítara indiana meio fake: "Nas sacadas dos sobrados, na velha São Salvador/Há lembranças de donzelas, do tempo do imperador/Tudo, tudo na Bahia, faz a gente querer bem/A Bahia tem um jeito... " Caetano aos 35, nada mal.

Brejinho

Tem boteco que manda comprar pão na padaria da frente, mas sabe fazer um sanduíche mil vezes melhor que a citada padaria da frente; questão de competência. Salve Arara e Zagalo. PS: tirei uma foto deste meu boteco do coração que há muito não visitava e que fica a não mais que uns 80 passos do meu elevador, mas ainda não aprendi como fazer para postá-la aqui.

Javier Marías

Os contos de Javier Marías em 'Quando Fui Mortal' são um deleite. O conto que dá título ao livro já é no mínimo uma pequena obra-prima, mas o que vem na seqüência, chamado 'Todo mal volta', é simplesmente uma das coisas mais belas que já li na vida, e, em que pese a limitação do meu alcance, isso para mim não é pouco - o espanhol me parece mesmo grande.

Preconceito

O técnico Joel Santana é espetacular. Assumiu um Botafogo recém-humilhado, goleado que foi pelo Vasco por inacreditáveis 6X0 pouco antes de assumir, e, em menos de um mês, fez o time se recuperar a ponto de vencer a Taça Guanabara na final contra o... Vasco! E pensar nas gozações preconceituosas que Joel sofreu recentemente quando treinava a seleção da África do Sul, país que, todos sabem, vai sediar a Copa de 2010 em junho próximo. Ele cometeu o grande pecado de tentar se comunicar diretamente com os jogadores em inglês, idioma que não dominava, mas que se propôs a aprender, quanta petulância... Para isso, fugiu do convencional e dispensou tradutores pagos a peso de ouro pela comissão técnica, mas não demorou a ser flagrado cometendo erros que pareceram muito graves a uma certa elite brasileira, que espalhou a coisa pela internet, via Youtube. Muitos dos mesmos que se levantaram há não muito tempo para bradar "é preconceito!", contra toda e qualquer crítica a Lula, o operário-padrão que chegou ao poder... É que no Brasil há preconceitos que são ou não permitidos, a depender da força da vítima. Argh.

1979 (2) e injustiças

Essa é para quem gosta de futebol - minoria esmagadora de um contingente já bem reduzido! Sobre o post '1979', basta dizer que naquele ano, pela primeira vez a dupla Zicrótes (Zico e Sócrates) jogou na seleção brasileira, convocada por Cláudio Coutinho - sucesso absoluto, óbvio! Mas não só. Aos 18 para 19, Maradona chegava à seleção principal de seu país com o mesmo sucsesso, e Guarani (Zenon, Renato, Careca e cia) e Ponte Preta (Dicá, Odirlei, Humberto, Oscar, Carlos) estavam entre o cinco ou seis melhores times do Brasil - além de Palmeiras de Jorge Mendonça e Telê Santana, Flamengo de Zico e Coutinho (e Seleção Brasileira), e Internacional de Falcão, Jair e Batista. PS: não nos esqueçamos do Corinthians de Sócrates e Palhinha. PS: inacreditável que Odirlei não tenha sido convocado para a Copa da Argentina em 78 - Coutinho preferiu improvisar o jovem zagueiro Edinho na posição (lateral-esquerda). Idem Sócrates e Falcão - este menos, pois hoje tendo a concordar com o grande Oswaldo Brandão (além de Coutinho, claro) que Chicão era mais eficiente naquele setor.

Para quem nunca cogitou escutar uma canção do Roberto.

É simples. Ouça, na voz do cantor, Como Dois e Dois, de Caetano Veloso. Trata-se de um blues meio à brasileira, mas tudo bem, é uma das grandes canções de Caetano, o que está longe de ser pouco. O compositor baiano tinha 27 para 28 anos e ainda estava em seu exílio londrino quando compôs esta linda música down, de letra e melodia mais que inspiradas. E a voz de Roberto soa estupenda.
http://www.youtube.com/watch?v=5VkcRR9eiOw

Cinema e cartilha

Sobre a boa entrevista de Jean-Claude Bernardet a Luiz Zanin Oricchio, no Estadão de ontem, gostaria de comentar algumas coisas. É justíssimo que Jean-Claude prefira o cinema sem a narrativa (ainda que muitos filmes considerados de arte façam questão de mantê-la). Até aí tudo bem, porque ele é um pensador do cinema, e dos bons, e tem o direito de admirar o tipo de cinema que quiser. Mas em dado momento da entrevista, chega a defender o cinema como indústria, a pretexto de citar Paulo Emilio, mas quase como se fosse uma grande concessão, um tipo de mal necessário. Me ocorre que o problema do cinema no Brasil talvez seja faltar justamente intelectuais importantes como Jean-Claude, mas que defendam um ponto de vista diferente, um cinema menos ousado e nem por isso (ou de forma alguma) mal feito - algo como Francis Ford Coppola, para citar um exemplo clássico, e que possa forjar uma indústria de ótima qualidade, no extremo da ponta, e de boa a aceitável, na média. Isso poderia ter criado um público mais extenso e fiel, o que poderia ter nos proporcionado a tal indústria. Sabemos que a existência de técnicos ultra-competentes que se exige no bom cinema é formada pela demanda da indústria. Onde forjar um Gordon Willis, um Sven Nykvist, senão na quantidade? Na televisão? Na publicidade? Talvez, e tem sido assim no Brasil mais recentemente, mas com resultados pífios (é claro que tem sempre um Dib Lufti para ser a exceção, mas também foi assim com Glauber – os grandes talentos, para não dizer gênios, são sempre pontos fora da curva). Um outro tema que me chamou a atenção na entrevista foi o Cinema Novo - Bernardet o admira por supostas inovações formais que o movimento teria promovido. A colocação não me surpreendeu, mas não concordo com ela. Só se ele restringir seu alcance ao Brasil, já que a Nouvelle Vague foi o que foi e surgiu antes - é como exaltar Villa Lobos pelo que realizou Stravinsky. Não sei. Acho que o fato da reflexão sobre o cinema brasileiro ter se desenvolvido com mais velocidade exatamente no período em que a visão marxista imperava poderia ser uma explicação, mas o próprio Jean-Claude faz questão de afirmar que não deve nada a ela. Mas no fundo, é como se devesse – se por um lado não reza da cartilha, por outro não se dispõe a bater de frente em questões-chave, como a indústria cinematográfica que surgiu nos Estados Unidos, por exemplo. Acho que o fato da Globo Filmes ter hoje tanta importância é antes - entre outros motivos - conseqüência do grande vácuo que os teóricos brasileiros permitiram que surgisse no debate ao longo das últimas quatro, cinco décadas. Ainda está em tempo.

1979

Sobre o post anterior, considero 1979 um ano especial, aqui e lá fora, tantos foram os grandes discos lançados, e que com o tempo (não muito, diga-se) se tornaram clássicos incontestáveis. Não tenho tempo agora para listar, mas o farei assim que puder. Não, não resisto a citar pelo menos três. Off The Wall, Cinema Transcendental e London Calling.

Past

A década de 1970 foi uma autêntica segunda época de ouro da canção no Brasil. Talvez ainda mais rica e diversificada que a dos anos trinta. Ao pensar no que foi produzido entre 1971 e 1980, fica até difícil de entender como foi possível. Era um tempo em que Caetano, Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto e Erasmo Carlos estavam no auge da forma, produzindo praticamente um novo LP por ano e não raro mais de um (como músicas inéditas e só uma ou outra regravação). Cantoras como Gal, Bethânia, Elis, Clara Nunes, idem e, com menos freqüência, a linda voz delicada de Nara Leão. Havia os jovens Alceu Valença, Djavan, Fagner, Walter Franco e Marina (já no finalzinho da década), sem contar Jorge Ben, Tim Maia, João Gilberto, e o verdadeiro início do rock nacional, com Casa das Máquinas, Rita Lee, Tutti Frutti e Arnaldo Baptista. Não faltavam bons produtores, como Guto Graça Mello, Rogério Duprat, entre muitos outros. No mundo, o rock e o pop viviam igualmente um período extraordinário, com inúmeras grandes bandas e talentos-solo como Led Zeppelin, Bowie, Stones, Iggy Pop, Neil Young, Lou Reed, Pink Floyd, Queen, bandas punk, punk rock e já pós-punk, Marvin Gaye, Michael Jackson, disco music etc, etc. A música erudita tampouco era ignorada, e uma grande quantidade de gravações entrou para a história, como a dos pianistas Horowitz e Abbado, as philarmônicas de Viena e Berlim, orquestras de rádios do leste europeu, entre vários outros registros. A indústria do disco florecia, e esse boom incentivava o surgimento de grande talentos, numa espécie de círculo virtuoso perfeito. Uma outra era. E até que durou muito.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cruz e Sousa - Vida obscura

"Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro. Ó ser humilde entre os humildes seres. Embriagado, tonto dos prazeres. O mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro. A vida presa a trágicos deveres. E chegaste ao saber de altos saberes. Tornando-te mais simples e mais puro. Ninguém te viu o sentimento inquieto. Magoado, oculto e aterrador, secreto. Que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos. Sei que cruz infernal prendeu-te os braços. E o teu suspiro como foi profundo!". O autor deste soneto não foi grande? Sim, claro que foi. Grande ao quadrado.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Realidade

Me ocorreu que a literatura brasileira dos últimos 25 anos é como o rock brasileiro, um pastichão de vários estilos, e isso na melhor das hipóteses. Fico tentado em estender esse tempo em uns 400 anos e incluir teatro e cinema (mas não poesia). Com as belas exceções de sempre - que no máximo formariam um time de futebol de campo, com banco de reservas - não acho que seria um exagero.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ufa

A primeira década do século ainda não acabou, mas já deu para perceber uma tendência que, espero, se realize. O fim do revival da década de 1980, principalmente em relação à música. Tudo bem, foi mesmo uma grande fase do pop, mas pelamor, já deu.

Tiro no pé

O fanatismo, a deturpação do conceito do politicamente correto é um equívoco por várias razões, mas tem uma em especial, que merece ser destacada: está deixando mais à vontade justamente as pessoas com uma postura preconceituosa, que agora se sentem mais seguras para falar suas barbaridades sobre minorias sem se preocupar com as conseqüências, o que nos faz recuar de imediato em uma ou duas décadas. E fazem isso porque sabem que o politicamente correto está na berlinda, por culpa dos radicais, que estão conseguindo esvaziar o seu discurso. É lamentável, porque estes patrulheiros da opinião alheia dão um tiro nos pés ao tirar o foco do que realmente importa: a verdadeira postura politicamente correta – que agora infelizmente virou palavrão – tem objetividade e foca no preconceito, explícito ou dissimulado, mas sem ter a pretensão de servir de juiz e censor da humanidade sobre todo e qualquer assunto ou opinião. É uma burrice que já está custando caro.

Clima - o não debate

Ontem no Roda Viva, uma entrevista com um climatologista brasileiro membro do IPCC, Carlos Nobre. Questionamento quase abaixo de zero. É por essas e outras que o programa, que já foi um marco na tevê brasileira, tornou-se irrelevante – lembro das lágrimas de José Genoino na época do mensalão e as expressões de comoção que elas provocaram nos entrevistadores, uma cena patética, que marcou época no pior sentido. Para Nobre, os que não concordam com o relatório do IPCC de 2007 devem estar a serviço de algum lobby muito poderoso, como o do setor de petróleo, por exemplo, o eterno vilão. E claro, nenhum entrevistador lembrou que grande nomes da ciência estão se manifestando contra o relatório - acusá-los de levianos corruptos é mais complicado, por isso melhor não perguntar... O programa já estava chegando à metade até que uma entrevistadora menos condescendente lembrasse – quase pedindo desculpas – que o clip da abertura estava equivocado (ela não usou esta palavra, claro), pois as imagens das chuvas recentes de São Paulo, ponte desabando no Rio Grande do Sul, inundações em São Luiz do Paraitinga, entre outras, teriam muito mais a ver, segundo ela, com os efeitos do El Niño do que com as conseqüências do aquecimento global. Nobre concordou, e acrescentou que as nevascas no hemisfério norte – que também faziam parte do clip - tampouco são fatos anormais durante o inverno... Até onde eu consegui ver (porque desliguei não muito depois), nenhuma pergunta para a questão crucial de a humanidade ser ou não diretamente responsável pelo aquecimento global recente, as distorções deliberadas que vieram à tona nos e-mails trocados por cientistas do IPCC, ou se o percentual estimado (não pelo IPCC) de nossa participação na quantidade total de dióxido de carbono na atmosfera estaria correto (seria de apenas 5%), nada, nada, só blábláblá sobre ‘mudar o comportamento’ dos governos para antecipar as tragédias etc, etc, como se isso fosse simples, sem falar que as próprias previsões estão longe de ser unanimidades. E o Roda Viva se transformou nisso, não há debate - seja porque todos concordam com tudo que fala o entrevistador (a maioria das entevistas), seja porque, no raro caso de um entrevistado não ser algum queridinho da emissora, os antigos cordeirinhos se transformam numa autêntica artilharia pesada, com o intuito deliberado de impedir que o convidado consiga concatenar as idéias e responder. Pena.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Folk

Sobre o post em que falava do carnaval, da sua morte, teve quem achasse que a simples existência das escolas de samba do Rio seria uma prova de que eu estaria equivocado. Posso estar, no problem, mas não por este argumento. Eu comecei o texto justamente enaltecendo a grandeza das escolas e de suas baterias sinfônicas, impressionantes. Mas o ponto não é este. Acho que com a morte da transgressão, que sempre foi o espírito e o motor do carnaval brasileiro, as escolas foram aos poucos se transformando em folclore, porque o carnaval propriamente dito morreu. Ou seja, sua manifestação coincide com os feriados do carnaval, mas não dependeria deles para continuar a existir, tanto que está firme e forte - assim como importantes manifestações folclóricas como o hipnótico boi-bumbá e a interessante congada não precisam do "evento" carnaval, e, no caso, tampouco da data. Mas não deixa de ser uma pena quando a festa vira folclore, porque as coisas tendem a ficar engessadas e presas ao passado. Claro que é o caso do Boi e da congada. E acho, das escolas, de uns 15, 20 anos para cá, mas aí trata-se de um processo que, evidentemente, ainda está em curso. PS: não duvido que o futuro das escolas de samba do Rio, no longo prazo, diferente do aconteceu com o boi-bumbá, venha a seguir o exemplo artificial e autômato da festa "folclórica" de Parintins, o que seria deprimente.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Weather

Outro dia li no blog de uma figura mais ou menos conhecida (filho de escritor brasileiro conhecido) que seu lema até recentemente era, entre outras coisas, nunca apelar para comentar o tempo meteorológico, por exemplo, porque isso seria a própria mediocridade, um desperdício. Quanta bobagem e pretensão. Essa tentativa de viver a arte full time sempre acaba se revelando um fiasco - e um fiasco um tanto ridículo. Esse sujeito mostra que não entendeu nada – mas tem tempo de aprender porque nunca é tarde, e no caso, ele ainda é relativamente jovem. Escrever e viver são coisas distintas, óbvio. Borges, Dostoiévski, Eliot, Melville e todos os outros não deixaram de falar do tempo para criar o que criaram. Eles viveram e ao mesmo tempo escreveram, e isso vale mesmo para Borges, um autor que parecia – só parecia – não ter vida fora do mundo dos livros. Não comentar sobre o frio e o calor não vai ajudá-lo a se tornar mais profundo, e muito menos um grande escritor, ou um escritor razoável, que dê para o gasto – coisa que ele ainda não é.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Disgusting

No Brasil, ter bons antecedentes, residência fixa, ocupação lícita, e se possível, uma certa idade significa inimputabilidade para qualquer primeiro crime, mesmo que um duplo assassinato hediondo, por exemplo. Afinal, trata-se de um réu primário... Argh.

Pornopopéia

Tirei uma dúvida agorinha nesta noite de 27 graus celsius às 23h50 sobre o Jabuti de 2009, categoria romance. De fato, o estupendo livro de Reinaldo Moraes sequer ficou entre os três finalistas. Só pode ser piada. O belo catatau foi lançado em junho - não terá sido inscrito, talvez? Duvido. O que deve passar pela cabeça de um escritor desse quilate em ocasiões como essa, em que é solenemente ignorado em favor de autores menores? Um dia hei de perguntar ao próprio. Não sou nenhum pouco fã do bar Mercearia - aliás, se for o caso, pago para não precisar entrar lá (seu ambiente me provoca depressão instantânea) - mas como sei que ele freqüenta a casa, posso encarar uma visita, até porque fica perto da pediatra do meu filho (grande Dra. Nina). Who knows?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Spielberg e Santos

Voltando aos posts da cenas, tem uma que lembrei depois, absolutamente essencial para minha vivência cinematográfica. A parte final de Os Caçadores da Arca Perdida, quando os rostos, as cabeças daqueles que ousaram olhar para a arca recém-aberta começam a derreter. Ainda adolescente, fiquei tão excitado e surpreendido com o que via que decidi ficar na sala para assistir a sessão seguinte, só para poder revê-la o mais rápido possível, primeira e única vez que fiz isso na vida (para isso, ajudou muito ter ido ver o filme sozinho - acho que por isso prefero ir ao cinema desacompanhado). Também de Spielberg, este em plena infância* (conseguia entrar em filmes proibidos em Santos), a cena de Tubarão, em que o pescador vai escorregando para a boca do enorme tubarão branco, que o aguarda com a cabeçorra acima da superfície. Tinha uns 9 ou 10 anos, e foi como se o tempo tivesse parado naqueles 3 ou 4 minutos, e o coração fosse sair pela boca, com o perdão do clichê. Movies. * Mesmo pequenino, tb vi este filme sozinho, num cinema da Av. Ana Costa - nas minhas férias em Santos, às vezes minha tia me deixava andar por minha conta (mas nenhum risco!).

Carnaval

Carnaval. O carnaval acabou, faz tempo. Mesmo as escolas de samba do Rio, apesar das baterias sinfônicas, há muito me soam fake, deslocadas em sua grandeza. A questão é basicamente uma só: a transgressão que o carnaval de fato significava foi sendo aos poucos assimilada e incorporada pela sociedade, e a globalização e internet fizeram o resto. Não que não existam valores a serem transgredidos neste começo de século 21, claro que sim, mas o carnaval não conta da tarefa, ou seja, não serve mais para nada, virou só mais um longo feriado para as classes médias urbanas pegarem a estrada e passar uns dias fora. E claro, o turismo macumba pra turista de Salvador, Olinda e adjacências tenta faturar da melhor maneira, e nada contra isso, cada um gaste seu dinheiro do jeito que preferir* (e há coisas bem piores, como retiros espirituais, por exemplo). Vá lá que até o final dos anos 70, além das grandes escolas de samba, aquelas quase orgias nos salões de clubes do Rio (tipo Vermelho e Preto) ainda garantiam uma certa exclusividade e charme decadente ao carnaval, que ainda convivia com aqueles desfiles de fantasias de alta costura em que tipos interessantes como Clóvis Bornay - de antigos e gloriosos carnavais - podiam reinar, mas nada disso sobreviveu à década seguinte, e nem teria por quê. Com a progressiva liberalização dos costumes, ninguém precisava mais dos dias de folia para se esbaldar em festas de arromba, que passaram a ser o trivial e cada vez mais acessíveis (alguém falou em embrião do funk carioca?!). Fico pensando nos memoráveis carnavais dos anos 1910, 20, 30, 40, até mesmo os dos 60, quando a festa pagã era mesmo - ou podia ser - um divisor de águas de cada ano, às vezes um divisor de águas da própria existência dos foliões - as grandes farras ficavam como registros e serviam de bússola da infância, adolescência, vida adulta, maturidade e velhice. Claro que o fato de ter caducado foi uma grande notícia para todos, porque convenhamos que precisar de um curto período de quatro dias para extravazar sentimentos reprimidos hoje nos soa terrível. E inútil, já que, se for o caso, dispomos de praticamente o ano inteiro para isso - divertir-se passou a ser uma obrigação quase constante, impositiva e banal, e isso em praticamente todo o país, não só nas grandes cidades. Não duvido que o termo balada - saída, acho, aqui de São Paulo - seja compreendida por uma criança ianomami, e acho que por isso o feriado bancário da manhã da quarta-feira de cinzas me soa tão patético. PS: andaram tentando ressuscitar as marchinhas. Ontem, por acaso, ouvi a vencedora de um concurso promovido pela TV Globo, composta por um químico aposentado. Muito boa por sinal - melodia rica, refrão grudento - mas claro, chegou tarde. Considero que algumas marchinhas, geralmente esnobadas pelos críticos de MPB, estão entre as melhores criações da canção brasileira em qualquer tempo, mas hoje são apenas pastiches, mesmo que boas, porque as marchas eram a ponta de um iceberg que mobilizava todo o Brasil, e envolvia a nata dos compositores, com seu poder e prestígio. Mas foi morrendo junto com o carnaval. Pelo menos foi uma morte digna. * Para mim, o fenômeno carnaval brasileiro é algo essencialmente carioca, da cidade do Rio de Janeiro mesmo. Em qualquer época. As festas das outras localidades, por mais simpáticas que possam ter sido, já nasceram fake, mas ficaria para um outro post explicar por quê.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cenas

Uma semana sem postar, a idéia é que isso quase nunca aconteça, mas não deu para evitar por vários motivos, por isso muita coisa acumulada. Teve uma matéria no caderno Mais! do domingo retrasado (24/1) bem interessante*, colhendo depoimentos de personalidades sobre cenas de filmes que eles consideram as mais marcantes da história do cinema. Gostei de quase todas, mas, com a exceção do final de 8 e meio, Fellini - tb uma de minhas preferidas - nenhuma bateu com as minhas. Vamos a elas: a cena final de E La Nave Và, quando antes do naufrágio que se anuncia, um projetor começa a funcionar e exibe um filme com cenas de uma época que tb está ruindo como o citado navio do título, onde tudo acontece. No mesmo filme, a cena fortuita dos copos de cristal manipulados por músicos de folga, que conseguem extrair deles música improvisada e celestial. Ainda em La Nave Và, o mar de plástico escancarado que cerca o navio. Em Oito e meio, a tb fortuita cena em que um mágico perfeito é capaz de adivinhar os pensamentos do cineasta Guido, o que provoca nele um profundo estranhamento, bem como em quem está assistindo ao filme. A cena dos brinquedos e fantoches que abarrotam um quarto (ou uma sala) de uma casa estranha ao menino Alexander, o que aos poucos lhe causa pavor (e a nós tb, claro), em Fanny e Alexander. No mesmo filme de Bergman, a sequência do incêndio na casa do padrasto de Alexander, incêndio este que vai causar a morte do padrasto, e a sensação de que isso era um desejo do menino e, por extensão, um desejo recorrente de todos nós, é muito impactante e profunda. Em Dersu Uzala, cena em que Dersu constrói uma cabana com folhas e palha em questão de minutos, e consegue salvar a si e o capitão russo da morte certa no noite polar. Também em Dersu, o início, o suspiro do capitão ao saber que Dersu tinha morrido, a cena da aurora boreal e várias outras deste filme único. Mas, depois de ler o que Domingos Oliveira escreveu, chamando a atenção para uma cena de um filme menor como Alien 3, também tenho uma especial, seguindo essa interessante linha proposta por ele, e que acho muito bem sacada, já que em não poucas vezes as grandes cenas estão dentro de filmes muitas vezes menores, assim como acontece com belas passagens em livros de ficção de segunda linha etc - há muitos exemplos. Bom, voltando à cena, há uma de alguma continuação de A Volta dos Mortos-Vivos em que, já no final, um muito jovem casal apaixonado decide se matar junto, lançando-se a um precipício de mãos dadas. E esta trágica escolha possui um belo motivo: o rapaz já está contaminado por ter sido mordido por um morto-vivo, o que fará com que ele em pouco tempo tb se transforme irremediavelmente no mesmo tipo de monstro. Sabendo que não poderão continuar juntos, a menina pede para ser mordida pelo amante contaminado, para assim tb se contaminar. Para eles, melhor se poupar de um futuro sombrio e se jogar num abismo cheio de fogo (há chamas e fumaça no fundo do abismo). Esta decisão é tomada com um rápido e tocante olhar mútuo, e esta cena me comoveu a ponto de contar para uma ex-amiga que quase tinha ido às lágrimas, e isso tendo visto o filme em casa, pela TV, e dublado. Viva o cinema, qualquer cinema. * http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2401201001.htm