quinta-feira, 11 de março de 2010

Para esclarecer

Mesmo com um dia atribulado, vou gastar 15 minutos aqui para comentar o que acho do tal critério de desempate favorecendo o gol marcado fora de casa. Acho que se trata de uma idéia que posa de esperta, mas que na prática é injusta e contraproducente, já que estimula a mediocridade em detrimento do talento. Infelizmente a adotamos no Brasil, no que parece um caminho sem volta. Anteontem, um exemplo clássico. Segundo jogo das oitavas de final da Champions League. Jogando em seu estádio, a grande Fiorentina, de passado glorioso e presente modesto, consegue bater o milionário Bayern de Munique, dos craques Ribéry e Roben, por 3X2, mas está eliminada da competição, porque perdeu o primeiro jogo por 1X2, na Alemanha. Quer dizer, com o mesmo saldo de gols, prevaleceram os dois gols que o time alemão conseguiu fazer fora de casa, um a mais que a Fiorentina, no mesmo critério. Mas eu pergunto: o que é mais difícil e bacana em uma partida de futebol, seja ela decisiva ou não? Fazer dois gols fora de casa, perdendo, ou três, vencendo?? Claro que é vencendo e fazendo mais gols! Num mata-mata, deveria-se premiar (respeitando o saldo) o time que faz mais gols numa mesma partida. Por isso considero esse critério de gols fora um equívoco - a pretexto de incentivar os times a jogar no ataque, fora de casa, provoca uma confusão que só piora as coisas, já que, com pânico de levar gols, os times que jogam em seus estádios ficam com medo de atacar, e os visitantes, por sua vez, continuam atrás. Na verdade, quando se trata de equipes tecnicamente equivalentes, passa a ser vantagem jogar o segundo confronto fora, bastando não levar gols em casa - mesmo um 0 a 0 serve. Aí, no segundo jogo, joga-se para um empate com gols, na retranca, explorando o famoso “erro do adversário”, à la Juventus (da Mooca!). Ao mesmo tempo, se acontece uma vitória do mandante por 1X0 ou 2X0, a sorte fica praticamente selada a favor de quem venceu e não tomou gols. Quem inventou esse critério certamente nunca estudou economia, porque mesmo esse campo do conhecimento, que parece tão exato, na verdade comporta as subjetividades inerentes ao ser humano, subjetividades estas que nem sempre - ou quase nunca - são movidas pela racionalidade. Alguns prêmios Nobel, cujos nomes me fogem agora para citar, se dedicaram exatamente ao estudo destas irracionalidades e seus efeitos na economia moderna. Não é a toa que nos tempos de Pelé sequer havia o critério de saldo de gols nas decisões, e mesmo hoje, tanto a Champions League quanto a Libertadores ignoram o gol fora na decisão do campeão (por ser um jogo apenas, lá, e só saldo de gols, aqui). Para encerrar, vou me repetir. Acho que se um time perde a primeira partida fora por 1X4, por exemplo, mas vence em seus domínios por 5X2, deve ser premiado com a classificação ou título, e não o contrário. Não por acaso, foram esses os placares de Santos X Fluminense nas semifinais do Brasileirão de 1995 - a exibição magistral de Giovanni na segunda partida - a do 5 a 2, no Pacaembu - foi premiada com a classificação do time da Vila. O talento agradece até hoje.

3 comentários:

Victor Carvalho Pinto disse...

Ainda não tenho uma opinião formada, mas me parece que o critério dos gols fora tem uma vantagem a ser considerada: é menos frequente a situação em que nenhum time está à frente. Ou seja, quase sempre tem algum time precisando ir para o ataque, o que me parece bom para o espetáculo. Quanto está tudo empatado, por outro lado, ambos os time ficam muito cautelosos, o que torna o jogo menos interessante.

Quanto à questão dos economistas, não entendi direito o raciocínio. Acho que você se refere à chamada "economia comportamental", que estuda os desvios empíricos da racionalidade teórica, ou seja, o comportamento supostamente irracional dos agentes econômicos? Como isso se aplica à questão do critério de desempate?

O Luzíada disse...

Oi Victor, tudo bem? Olha, eu quis dizer do comportamento irracional dos agentes econômicos. Não quis desenvolver, senão o post ficaria muito longo. Seria o seguinte: teoricamente, o gol fora é neutro, já que vale para os dois times, os dois têm, em teoria, a mesma oportunidade para obtê-lo. Mas chamo a atenção para o fato de que isso acontece em momentos distintos, claro, mas que podem fazer e fazem diferença, acho eu. O primeiro jogo é tratado como a primeira metade do embate, o segundo, como a segunda metade, mas de fato não são metades equivalentes... Acredito que o segundo confronto tenha uma peso maior (uns 55, 60%), por se tratar do jogo final, que envolve mais variáveis emocionais (subjetivas). Isso seria verdade tb para o critério de se valorizar quem faz mais gols num mesma partida, como eu sugiro. Não duvido que as estatísticas sejam semelhantes em ambos os casos, mas acredito que o sinal trocado faz toda a diferença: os times que se classificam (atualmente, com o gol fora) tendem a ser os mais retranqueiros, o que é um resultado oposto do almejado. Daria para averiguar com estatísticas, meu palpite é que elas confirmariam a "tese".

O Luzíada disse...

PS: Victor, quando digo que os times que conseguem se classificar no mata-mata, hoje, tendem a ser mais retranqueiros do que os que foram eliminados, entenda que quis dizer que esses times "jogaram" na retranca na segunda e decisiva partida, porque já tinham seu plano de explorar o erro do adversário traçado. Quer dizer, muitas vezes esse time é normalmente ofensivo, mas deixa de sê-lo justamente porque o regulamento estimula a isso no segundo jogo, entende? Imagine se criassem hipoteticamente uma regra em que, se algum jogador chutasse do seu campo, o goleiro adversário não poderia agarrar a bola com as mãos, por exemplo. Seria um caos, porque aí todos tentariam chutar de muito longe, e a natureza tática do futebol seria afetada, perderia seu desenho. No fundo, a regra do gol fora, acho eu, afeta - mesmo que sutilmente - a natureza do futebol. Por isso, melhor se classificar quem vence em casa por 5a2, tendo perdido a primeira por 1a4 fora.