domingo, 14 de março de 2010

Irreversível

Entrevista de Humberto Eco no novo caderno Sabático, do Estadão, prevendo que o livro sempre existirá. Considerando que, segundo informação do jornal, o célebre pensador e romancista italiano possui quase 50 mil volumes – mais que os 45 mil de José Mindlin – acho compreensível essa postura, mas penso, no entanto, que ela não se sustenta depois de uma análise menos apaixonada. É como se, pelo fato de uma invenção ter sido tão boa a ponto de durar 500 anos, ela tivesse que durar outros 500, ou toda a eternidade, o que, no caso de Eco, só pode ser interpretado como uma idiossincrasia, uma boutade. O fato é que os livros ainda são imbatíveis, mas isso não significa que essa situação seja imutável. Como já abordei em outro post, existe uma urgência pelo aumento exponencial da velocidade de transmissão de dados na internet, além da capacidade de armazenamento e da bateria dos equipamentos. Precisamos multiplicá-las por 10 mil, 100 mil, um milhão, para que apenas comecemos a penetrar na era digital de fato. Dito isso, estamos evoluindo, e o kindle e vários formatos de livro digital já representam um passo nesta direção. Pequena, por isso as obras publicadas em papel ainda levam muita vantagem, é inegável. Mas alguém tem dúvida de que, num futuro próximo – ou nem tanto – quando o ato de ligar ou desligar um equipamento for instantâneo ou desnecessário, quando a velocidade de transmissão for elevada exponencialmente, com bateria ilimitada, qualidade de imagem e áudio beirando a perfeição etc., enfim, num cenário destes, por que considerar que o livro não se tornaria obsoleto e continuaria a levar vantagem? Para Eco, a internet representa um perigo porque contempla tudo e depende da seleção do internauta para separar o joio do trigo. Mas não foi sempre assim? Nós chegamos aos livros por orientação e curiosidade, o mundo digital, por sua vez, facilita o acesso de tudo, mas esse tudo inclui as melhores obras também. O fim do livro é uma questão de tempo, talvez de muito tempo - várias gerações - mas acho bobagem essa pregação toda contra a publicação eletrônica – certamente a leitura, o jeito de ler, sofrerá uma modificação, devido a interação com outras mídias, mas nada mudará, isso sim, o fato de que seres humanos continuarão a querer produzir textos por muito tempo ainda – não eternamente, diga-se. Não serão livros, mas isso não fará diferença para quem for contemporâneo desta nova realidade. O livro não é uma tesoura ou uma colher, como quer Eco - já foi mais do que isso, mas hoje, depois de mais de 500 anos, sua utilidade começa a sofrer concorrência, e nada de errado com isso.

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