sexta-feira, 5 de março de 2010
Ledo Ivo - A Queimada
“Queime tudo o que puder:
as cartas de amor,
as contas telefônicas,
o rol de roupas sujas,
as escrituras e certidões,
as inconfidências dos confrades ressentidos,
a confissão interrompida,
o poema erótico que ratifica a impotência,
e anuncia a arteriosclerose,
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num covil,
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos,
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita”.
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