domingo, 28 de março de 2010

Ética

Toda quinta-feira à noite, a TV Cultura exibe o programa “Ética”, apresentado, claro, por Renato Janine Ribeiro, titular de Ética e Filosofia Política na USP, e intelectual que privatizou o assunto no Brasil, ao menos na grande imprensa. O programa é de um personalismo que chega a ser engraçado – closes do professor de vários ângulos vão se acumulando, e dá-lhe ‘flagrantes’ em primeiro plano de Janine andando pelo centro de São Paulo, no meio da multidão, de costas, de frente, de lado, a caminho de mais uma entrevista com pessoas selecionadas a dedo para ilustrar fatos que já tinham sido escolhidos de antemão. O programa parece ter como proposta seguir o velho contraponto de viés marxista, de antagonizar as classes sociais - até aí nada de errado, a priori, o que incomoda é o tom e o formato do discurso, meio gastos, de tentar ser um tipo de voz dos oprimidos contra o sistema. Parece que a idéia seria tirar o professor de ética da calmaria das salas de aula e levá-lo a tomar contato com questões éticas dos cidadãos no dia a dia, mas o que aparece na tela é um chororô que não faz justiça aos desafios que as pessoas têm de enfrentar para sobreviver. No final, soa como se fosse uma radiografia do Brasil de 1978, por exemplo. Um dos episódios que vi tratava da liberdade no ambiente de trabalho, um assunto que renderia um tratado, mas que no programa é conduzido de forma a criticar a autoridade, a rigidez e toda uma série de normas chatinhas que fazem parte da rotina de qualquer escritório, quando não é o caso de trabalharmos no Google, ou noutro lugar mais descolado no Vale do Silício. O tom, como dificilmente seria diferente, é de crítica, mas não decola, porque as queixas dos entrevistados parecem ter sido sopradas antes da gravação (e quase restritas a enfadonhas questões trabalhistas, e não de cunho individual, que resultaria em algo mais interessante, autêntico), e as pontuações de Janine sobre ética não dão liga, ficam deslocados e acentuam o fake de cada conversa. Teria sido mais interessante um depoimento do próprio Janine sobre o ambiente de trabalho de sua época como diretor de avaliação do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

2 comentários:

Unknown disse...

Estamos aqui diante da antiguíssima questão ética. O conflito permanente entre os desejos e os deveres, fundamento da questão ética, a faz atualíssima, sempre. Eis o homem! A famosa frase de Sartre - "O homem está condenado à liberdade" - dá uma das notas mais precisas sobre a questão ética no mundo moderno. A insatisfação com a liberdade conferida é diretamente proporcional à obtusidade quanto à noção de liberdade. Como repetiam os velhos anarquistas, a liberdade não se mendiga, se conquista.
Concordo com você Marcelo, o emérito professor Renato Janine caiu numa cilada, useira e vezeira da nossa televisão, aproximou-se do populacho acreditando tratar com o popular.
Do meu ponto de vista, a melhor contribuição ao tema continua sendo a obra de Espinosa, filósofo do século 17.
Parabéns, Marcelo, você nos traz mais um texto corajoso e com luz própria.

Sebastião Haroldo F. C. Porto

O Luzíada disse...

Sebastião, legal ter lembrado do grande Spinoza e Sartre, e muito obrigado pelo elogio - até por não dominar o assunto (ética), preferi criticar apenas sua abordagem no programa - muito limitada e ideologizada - além da divertida vaidade do apresentador, abração