segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Cinema e cartilha
Sobre a boa entrevista de Jean-Claude Bernardet a Luiz Zanin Oricchio, no Estadão de ontem, gostaria de comentar algumas coisas. É justíssimo que Jean-Claude prefira o cinema sem a narrativa (ainda que muitos filmes considerados de arte façam questão de mantê-la). Até aí tudo bem, porque ele é um pensador do cinema, e dos bons, e tem o direito de admirar o tipo de cinema que quiser. Mas em dado momento da entrevista, chega a defender o cinema como indústria, a pretexto de citar Paulo Emilio, mas quase como se fosse uma grande concessão, um tipo de mal necessário. Me ocorre que o problema do cinema no Brasil talvez seja faltar justamente intelectuais importantes como Jean-Claude, mas que defendam um ponto de vista diferente, um cinema menos ousado e nem por isso (ou de forma alguma) mal feito - algo como Francis Ford Coppola, para citar um exemplo clássico, e que possa forjar uma indústria de ótima qualidade, no extremo da ponta, e de boa a aceitável, na média. Isso poderia ter criado um público mais extenso e fiel, o que poderia ter nos proporcionado a tal indústria. Sabemos que a existência de técnicos ultra-competentes que se exige no bom cinema é formada pela demanda da indústria. Onde forjar um Gordon Willis, um Sven Nykvist, senão na quantidade? Na televisão? Na publicidade? Talvez, e tem sido assim no Brasil mais recentemente, mas com resultados pífios (é claro que tem sempre um Dib Lufti para ser a exceção, mas também foi assim com Glauber – os grandes talentos, para não dizer gênios, são sempre pontos fora da curva). Um outro tema que me chamou a atenção na entrevista foi o Cinema Novo - Bernardet o admira por supostas inovações formais que o movimento teria promovido. A colocação não me surpreendeu, mas não concordo com ela. Só se ele restringir seu alcance ao Brasil, já que a Nouvelle Vague foi o que foi e surgiu antes - é como exaltar Villa Lobos pelo que realizou Stravinsky. Não sei. Acho que o fato da reflexão sobre o cinema brasileiro ter se desenvolvido com mais velocidade exatamente no período em que a visão marxista imperava poderia ser uma explicação, mas o próprio Jean-Claude faz questão de afirmar que não deve nada a ela. Mas no fundo, é como se devesse – se por um lado não reza da cartilha, por outro não se dispõe a bater de frente em questões-chave, como a indústria cinematográfica que surgiu nos Estados Unidos, por exemplo. Acho que o fato da Globo Filmes ter hoje tanta importância é antes - entre outros motivos - conseqüência do grande vácuo que os teóricos brasileiros permitiram que surgisse no debate ao longo das últimas quatro, cinco décadas. Ainda está em tempo.
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