terça-feira, 27 de julho de 2010

O melhor Pelé

O fenômeno Pelé tende a ser visto como uma linha homogênea, na qual um jogador de gênio reinventou a arte do futebol ao produzir uma sucessão de façanhas ininterruptas, sempre a serviço do time, até a sua aposentadoria. Mas, ao analisar a performance de Pelé ao longo da carreira, acredito que, mesmo sem tê-lo visto atuar, não foi bem assim.

O período que vai de 1958 a 1965 - que classifico aqui como sua segunda fase - é o verdadeiro período miraculoso do jogador (parodiando o 'ano miraculoso' de Newton, em 1666, e o de Einstein, em 1905), no qual Pelé, magrinho e rápido como um flecha, conseguiu ampliar e aperfeiçoar o repertório de jogadas do atacante que vinha de trás - o antigo ponta de lança - e, dado a quantidade e o grau de dificuldade de seus feitos (visão de jogo perfeita, gols antológicos, dribles e fintas em velocidade, extrema precisão nos passes, cabeçadas, lançamentos e finalizações [com os dois pés] de perto e de longe, entre várias outras qualidades), tornou-se absolutamente incomparável, um fenômeno único não só no futebol, mas também no esporte de alto rendimento, seja qual for a modalidade, em qualquer tempo.

A média de gols de Pelé entre 1958-65 é espantosa, e jamais foi igualada por nenhum outro jogador, nem mesmo por ele - foram 635 em 497 jogos, média de 1.277 gol por partida, ou praticamente 80 gols por ano em oito anos consecutivos.* Claro que, para falar sobre Pelé, não podemos nos limitar aos gols que ele assinalou, ainda que tenham sido muitos e marcantes - seus passes e arrancadas magníficas, que resultaram em gols idem, convertidos por seus companheiros de Santos e Seleção Brasileira, são quase tão importantes quanto, pena que a TV da época nos deixou registros escassos. Mas, provavelmente, o Pelé 'garçon' teve seu apogeu também nesta segunda fase de sua carreira gloriosa.

Já no final de 1957, aos 17 anos (primeira fase), Pelé era uma realidade (57 gols em 67 jogos), mas ainda não o jogador arrasador que o mundo conheceria tão pouco tempo depois. A terceira fase, entre 1966-70 - a maturidade de um ex-menino-prodígio - só pode ser classificada como excepcional, e dificilmente superada por qualquer outro jogador, mas o que eu chamo de 'período miraculoso' foi claramente a "crème de la crème" do gênio de Três Corações, daí eu ter lamentado em outro post (http://oluziada.blogspot.com/search?q=pel%C3%A9+coutinho+aus%C3%AAncia) sua quase ausência na Copa do Chile, em 1962 - possivelmente o mundo teria presenciado uma atuação histórica, monumental, diante da qual o feito de Maradona no México (1986) seria considerado um fato menor.

Para encerrar, é preciso destacar que, mesmo em sua fase descendente, a  partir do segundo semestre de 1970 e até o final de 1974  (sem levar em conta o período posterior, em que jogou nos Estados Unidos), Pelé ainda jogava um futebol muito acima da média, embora já não fosse mais o número 1 do mundo. De qualquer forma, ele continuava sendo um jogador que pairava acima dos demais, até pela reverência que despertava.

PS: esta fase de declínio técnico, ainda no Santos, pode ter relação com um tipo de desmotivação de quem já tinha conquistado praticamente tudo no futebol (Copas do Mundo, Libertadores, Mundial de clubes, mais de mil gols etc.), já que, fisicamente, o atleta continuava inteiro (mas sem a velocidade da segunda fase). Porém, desmotivação não seria a melhor palavra - talvez cansaço do altíssimo grau de exigência que Pelé sempre se impôs ao entrar em campo, esforço que cobrou um preço depois de quase 15 anos. É possível também que o jogador possa ter sentido um pouco de tédio com a profissão, afinal sua carreira valeu por muitas.

* Fonte: Guilherme Gomez Guache, do blog de Odir Cunha.

2 comentários:

Sebastião H. F. C. Porto disse...

Caro Marcelo

Como santista e editor, ou melhor, um editor santista, quero parabenizá-lo por este ensaio sobre o Pelé, onde destaca aspecto importante na carreira deste atleta e brasileiro reconhecido internacionalmente por seus feitos memoráveis. Mas quero elogiá-lo também pelo espírito de finura de seus ensaios; penso que tem se aproximado cada vez mais das "nervuras do real".
Um abraço.

O Luzíada disse...

Sebastião, seu comentário é uma honra pra mim, porque eu o valorizo muito como intelectual, editor e grande texto. forte abraço! M