Boa parte da imprensa ataca a questão do aborto como se ela fosse uma questão reles e irrelevante para os brasileiros. Enfim, uma jequice a mais, uma baboseira religiosa sem maior importância. Mas não é, pelo fato de que a maioria esmagadora, gosta-se ou não, é contra. Portanto, trata-se de uma discussão política, sim. É uma atitude esnobe e antidemocrática pautar o que pode e ou que não pode entrar numa campanha. Quem decide? Os colunistas "isentos" da Folha, do portal Terra, do IG? O fato concreto é que Dilma sempre apoiou a descriminação do aborto, em consonância com a agenda de seu partido. Aliás, a questão foi abertamente colocada no PNDH (Plano Nacional de Direitos Humanos) 3, sob sua batuta, na Casa Civil. Tem todo o direito de fazê-lo, o que não pode é dizer agora – reta final da campanha - que sempre foi contra, porque é uma mentira que atenta contra a inteligência das pessoas. Em política, assim como no cotidiano da vida privada, ninguém é obrigado a ser 100% sincero - mas não dá para sair mentindo deliberadamente e achar que ninguém vai perceber. Até porque, está tudo documentado. Se a imprensa brasileira fosse menos servil – como acontece nos Estados Unidos e Inglaterra – toda vez que o assunto fosse citado em algum jornal ou TV, não hesitariam em mencionar que, em 2007, num debate na Folha de S. Paulo, Dilma deu a tal declaração (que foi gravada em vídeo) etc etc. Mas aqui, em nome da falsa isenção, quase todos os veículos (com exceção da Veja), fazendo a vontade da candidata oficial, insistem no pretérito “teria dito”, insistem na palavra “boato” - é deprimente. Aliás, é incrível que ainda não se tenha feito esta simples pergunta a ela: “candidata, você mudou de idéia quando?, já que, em 2007, a senhora declarou etc etc”. Simples assim. Mas não se faz a pergunta, e exatamente por isso o assunto perdura, o que é legítimo num pleito democrático. Não é “culpa” do eleitorado, que tem o direito à informação para decidir seu voto.
PS: em 1985, nas eleições para a prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso, no último debate da TV, teve de responder a Boris Casoy se acreditava ou não em Deus. FHC tergiversou, não disse nem que sim nem que não, e perdeu a eleição para Janio Quadros por margem menor que 0,5%. Hoje Dilma poderia ter feito um papel melhor: bastava não renegar o que falou sobre o aborto, afirmando, por exemplo - caso essa questão fosse tão decisiva assim, e parece que não é o caso - que repensou e mudou de idéia. Mesmo que não estivesse sendo sincera, seria uma atitude legítima para um candidato - assim como foi legítimo FHC não ter respondido "não, não acredito em Deus". Ilegítimo e imoral teria sido FHC se dizer um devoto desde sempre (e olha que ele não tinha declarado o contrário publicamente), e é assim que Dilma vem agindo, ao mentir sobre o que disse sobe o aborto e se declarar "devota" de Nossa Senhora desde criancinha...
É que é prática comum no PT a tentação de reinventar a história, omitindo ou aumentando esse ou aquele acontecimento, conforme a melhor conveniência da ocasião. Mas na era digital, onde quase tudo é registrado e arquivado, a tarefa fica cada vez mais difícil, e desta vez esse discurso parece que está caindo no vazio. Já não era sem tempo.
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