sábado, 23 de janeiro de 2010

Considerações

Um razoável tempo atrás me incomodava quando um amigo ainda bem jovem – só um pouco mais que eu - e que viajava regularmente pelo mundo a negócios, dizia que para tal lugar com certeza nunca mais voltaria, e isso mesmo quando acontecia de gostar muito de ter estado lá. Era um tipo de realismo que eu silenciosamente desprezava - me soava como pura falta de sensibilidade. Porque para o sonhador meio bobo que era, não havia lugar no planeta que hipoteticamente eu tivesse conhecido que não pudesse retornar, por mais distante que fosse, seja porque teria adorado, seja pelo contrário, o que justificava uma segunda chance. Engraçado que foi preciso passar tanto tempo para admitir que meu amigo estava precoce e essencialmente correto – geralmente não voltamos para os mesmo lugares distantes perdidos no globo, não dá tempo. Hoje já nem me interessa tanto conhecer o mundo (prefiro ler), aliás, me permito inclusive não querer retornar a lugares mais acessíveis e prosaicos que já gostei um dia, como Ilha Bela, por exemplo. Mudança considerável. Mas ainda pretendo conhecer a ilha de Bali. Não é contraditório.

Photos

Neste belo sábado chuvoso, folheio livro* presenteado por minha mãe, com fotos antigas de São Paulo do final do século 19 e começo do 20**. É muito bom. Os textos explicativos são bem escritos e elucidativos. Gosto especialmente de poder ver a cara das pessoas, mas pena que elas quase sempre apareçam meio de longe. Tem uma maravilhosa, em que se flagra com alguma proximidade, por acaso – porque fica evidente que o fotógrafo buscava antes a fachada de um sobrado - um homem de meia idade, que parece encarar a câmera. Gosto de cogitar no que pensava, quais seriam seus anseios, medos, suas alegrias, como era seu jeito de andar, de rir, de falar, comemorar etc, etc. A foto é de 1904, ano em que meu avô materno sequer tinha nascido, faltavam ainda seis anos, 1910. Aquele senhor poderia ser, portanto, pai ou até avô de meu avô, ou seja, meu tataravô. Seus filhos e netos também já se foram há muito tempo, mas seus pensamentos - os de todos eles - quem pode saber? Na verdade, me parece que o objetivo número 1 dos fotógrafos daquele tempo raramente eram as pessoas, elas serviam mais de cenário. Claro que já havia bons retratistas, mas o ideal para mim são fotos (com proximidade) de pessoas, mas não posadas, e isso é difícil de conseguir. Uma vez, numa linda exposição de fotos do Rio da mesma época (no Instituto Moreira Salles, na Gávea), aconteceu: pude me deleitar com um quase close de um casal totalmente belle époque, ultraproduzido que, num domingo de 1910 (havia esta informação) se dirigia para uma missa (dava para ver a igreja, próxima, assim como a chegada de outros grupos de pessoas). Aquele casal estava de mãos dadas, de costas, e provavelmente era jovem, pois caminhava ao lado de duas crianças entre cinco e sete anos. Fiquei emocionado de imaginar o que passava por suas cabeças exatamente naquele momento. Fotos de gente têm uma profundidade quase inata, como se mal precisassem da habilidade do fotógrafo para se tornar boas, o que admito não ser verdade em muitos casos. Mas é que o que valorizo numa foto antiga raramente seria o que o fotógrafo da época buscava, aliás claro que não, pois só a passagem do tempo, se possível bastante tempo vai criar a beleza que aprecio, então imagino que isto ainda se dê hoje – os possíveis méritos estéticos que se obtém no presente tendem a ser desprezados no futuro, ao menos na fotografia. Assunto para um outro post. * "São Paulo de Piratininga - de pouso de tropas a metrópole" - seleção de José Alfredo Vidigal Pontes, fotos do arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, editora Terceiro Nome. **Algumas fotos voltam longe no tempo, como uma de 1860, mas quase sem pessoas, só ruas semidesertas. PS: este post é dedicado a meu amigo querido Marcelo Briza Bicudo, a primeira pessoa a me chamar a atenção para a beleza das fotos de gente.

Gosto

Por mais que tente, não consigo gostar de Dvorák, não me emociono com ele. Já desisti de tentar - é que está tocando no rádio. Um poema sinfônico, mas que não me soa poético, longe disso. É normal - seria loucura gostar de tudo o que é bom.

Pode comparar

No post abaixo, quando afirmo que os autores de novela são escritores, claro que não ignoro a diferença de linguagens que o texto comporta. Dramaturgos, roteiristas, autores de novela, minisséries, comics – todos escrevem para um meio visual, que possui outra linguagem, portanto os textos não são uma atividade-fim e serão transformados numa outra coisa, boa ou ruim. Não produzem literatura. Por sua vez, escritores de livros de ficção produzem, sim, literatura, que também será simplesmente boa ou má. Mas o ponto é outro. Woody Allen se diz, antes de mais nada, um escritor – ele cria e pensa seus filmes a partir do texto. Seus filmes são grandes (às vezes) porque bem realizados em suas etapas-chave, como direção de atores, fotografia, história fluente, cenários, mise-em-scene, ritmo, texto (quando há narração, algo recorrente em sua obra) diálogos etc. Mas, no caso de Allen, sem o texto, nada (literalmente) feito. É só um exemplo, porque sabemos que há cineastas essencialmente visuais, para quem o texto não diz muito. Mas no caso dos novelistas e roteiristas, a qualidade do texto é sempre fundamental. Até pela urgência e concreta falta de tempo da televisão em relação à fotografia, iluminação, cenários, direção de atores etc, a qualidade dos diálogos e uma trama fluente são essenciais. É literatura o que fazem? Não, não é. Mas são escritores? Sim, claro. Por isso dei a entender que é óbvio que um Manoel Carlos é muito melhor escritor que um mau ou medíocre ficcionista literário que, no caso, constitui uma verdadeira multidão – teoricamente, só teoricamente, não é difícil sentar e cometer um livro, já para ser um roteirista profissional é necessário no mínimo ser contratado... Resumindo, um livro de ficção ruim é má literatura, uma novela boa não é boa literatura, mas seus autores podem e devem ser comparados, só isso. Mas, e quanto aos grandes escritores de ficção e poetas? Estes são gênios incomparáveis, mas quase tão raros quanto Mozart ou Beethoven. Salve Conrad, Nobokov, Shakespeare, Tolstoi, Yeats, Pessoa.