segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Atraso

Certos brasileiros adoram falar mal de um suposto mau gosto dos americanos em geral. É engraçado. Porque geralmente são brasileiros de classe alta ou média alta criticando norte-americanos de classe média média, ou baixa. Usam dois pesos e duas medidas, claro, mas o mais importante para mim é outra coisa. Acho que esse tipo de afirmação, de crítica, trai uma visão de mundo extremamente reacionária, que prega o atraso, mesmo que inconscientemente. E é fácil de entender por quê. O Brasil ainda tem uma classe média pequena - está crescendo, mas é proporcionalmente pequena - a grande parte é de pessoas com nível escolar muito baixo, qualificação idem, que pouco ou nada consomem, então não têm visibilidade para ser criticados, são meio que 'invisíveis' - para quem não sabe, mais de 70% da força de trabalho brasileira ganha no máximo um salário mínimo (dos quais mais da metade recebe bem menos que isso). Por isso não são atacados por esses cricris, pelo menos não diretamente, e por puro constrangimento, pena de nossos "coitadinhos" - os mesmos que lhes prestam serviço a baixo custo, sem reclamar muito. Mas esse é o ponto. Se o Brasil conseguisse, por exemplo, crescer em ritmo chinês por 30 anos (ou menos), nossas classes médias iriam aumentar muito com a chegada de um novo e maciço contingente de ex-pobres. De forma que a quantidade de consumidores aumentaria na mesma proporção, mas consumidores estes ainda sem muita informação e potencialmente "cafonas" etc. Portanto, quando e se isso de fato acontecer, o Brasil passará a ter, sim, uma quantidade muito maior de gente cafona viajando nos aeroportos, com roupas de combinações duvidosas etc, e isso seria ou deveria ser ABSOLUTAMENTE DESEJÁVEL. Mas parece que aqui não é... porque criticar um país como os Estados Unidos, exatamente por ele ter conseguido forjar uma classe média que, na prática, é a classe dominante, isso num território maior que o nosso e com população tb superior, é, no fundo, desejar que nós continuemos na mesma, que nada ou pouco mude no Brasil, e assim possamos continuar a vomitar nosso bom gosto em aeroportos do primeiro mundo. E um PS: a prática que citei de se usar dois critérios - nossa classe média alta detonando a baixa dos americanos - além de equivocada e meio covarde, é de uma ignorância total, porque essa gente fala como se os Estados Unidos não possuíssem, eles mesmos, uma elite cultural, social, científica etc, etc. Os descolados e chiques de lá, quando o são, costumam por no chinelo praticamente qualquer um que possa ser enquadrado nestas categorias aqui. E, óbvio, a quantidade de bacanas de lá é muito maior que a daqui, proporcionalmente, inclusive. Ufa, finito!

O Silêncio é nosso

Quem gosta de música sabe da importância do silêncio. Escrevi aquele post ("Música e histeria"), criticando quem ouve música o tempo todo, pensando exatamente nisso. Por isso acho engraçado ter havido na história da música uma figura como John Cage. Ele meio que reivindicava que a importância do silêncio era mérito seu, o que acho ridículo, porque agindo assim ele estava simplesmente tentando se apropriar do silêncio, do sagrado silêncio nosso de cada dia, tão raro quanto fundamental. A experiência do silêncio, como a luz do sol, a água, o olfato etc, é algo ao mesmo tempo intangível, particular e universal, individual, portanto não pode ser adquirida e reprocessada, como pretendia Cage. Esse é outro cuja obra é tão chata quanto desnecessária...

O iconoclasta

Uns anos atrás, em uma daquelas gostosas entrevistas formato bate-bola que aconteciam aos domingos na última página do caderno Cultura, do Estadão (pena que esta seção acabou), um músico e compositor brasileiro, com reconhecimento internacional, respondeu da seguinte maneira a pergunta sobre uma obra que seria "chata, mas necessária", ou algo assim. Implacável, cravou A Arte da Fuga, de Bach. Comentando isso com uma amiga, uns dias depois, ela tb não hesitou: "chata é a obra dele". Na mosca. Mas hoje, acrescentaria que a obra do sujeito, além de chata, é desnecessária, hehe!